UM PERFIL DE ANTONIO CALLADO
Paccelli M. Zahler
Reza a tradição das Academias de Letras que o membro titular resgate a obra e homenageie o patrono da cadeira que ocupa. Com tal objetivo em mente, busquei informações sobre a vida e a obra de ANTONIO CALLADO, patrono da cadeira nº 05-DF da Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias.
Geralmente, os membros são eleitos em função da semelhança de estilo literário com o patrono. Falo em semelhança, que pode ocorrer por mero acaso ou gostos comuns, para diferenciar da imitação ou do plágio, os quais condeno veementemente porquanto seja fato comum entre os que almejam a fama a qualquer preço.
Dentro das minhas limitações, procurei pinçar dados biográficos que permitissem delinear o perfil do escritor e jornalista ANTONIO CALLADO. É claro que uma análise completa de sua obra e de sua influência na literatura brasileira contemporânea exigiria um estudo mais detalhado dentro da conjuntura histórica e política de sua vida e do seu tempo.
Por se tratar de um autor contemporâneo, o grau de dificuldade em reunir ensaios analíticos sobre a sua obra aumenta bastante. Entretanto, deixei de lado a análise precisa para enaltecer a vida e a obra do grande escritor e cumprir o meu dever como acadêmico ocupante de sua cadeira patronímica.
O patrono da cadeira nº 05-DF da Academia Brasileira de Estudos e Pesquisas Literárias era fluminense, tendo nascido em Niterói no dia 26 de janeiro de 1917. Seu pai era médico, poeta e jornalista. Sua mãe, professora, desenvolveu nele o gosto pela leitura e pela escrita. Gostava muito de ler, principalmente Machado de Assis e José de Alencar, e alguns autores europeus como Marcel Proust e James Joyce, que mais tarde influenciariam a sua obra literária. Com dezenove anos, ingressou na Faculdade de Direito e, em 1937, começou a trabalhar como repórter e cronista no jornal CORREIO DA MANHÃ. Diplomou-se em 1939, porém jamais exerceu a profissão de advogado.
Sua atividade jornalística ganhou um grande impulso durante a Segunda Guerra Mundial, quando foi contratado como redator pela British Broadcasting Corporation – BBC, em Londres, em 1941, lá permanecendo até 1947. Nesse período, casou-se com a Srta. Jean M. Watson, com quem teve três filhos.
Aproveitando sua estada na Europa, de novembro de 1944 a outubro de 1945, trabalhou no Serviço Brasileiro da Radio Diffusion Française, em Paris.
Sua estréia como dramaturgo deu-se em 1951 com a peça O FÍGADO DE PROMETEU.
Em 1953, publicou o livro reportagem O ESQUELETO NA LAGOA VERDE.
Ao retornar ao Brasil,em 1947, voltou a trabalhar no jornal CORREIO DA MANHÃ, tendo sido redator-chefe de 1954 a 1960. No mesmo período, passou a colaborar com o jornal O GLOBO e, paralelamente, publicou seus romances, ASSUNÇÃO DE SALVIANO (1954) e A MADONA DE CEDRO (1957) com uma temática religiosa. Ainda em 1957 publicou uma biografia RETRATO DE PORTINARI.
Definiu seu retorno ao Brasil da seguinte maneira: “Depois de ter passado a guerra na Europa, voltei com uma sede muito grande de interior, de índio, de mato”.
Em 1958, recebeu a Medalha da Ordem do Mérito da República Italiana,na Embaixada da Itália no Rio de Janeiro.
Em meados de 1960, lança OS INDUSTRIAIS DA SECA e é contratado pela Enciclopédia Britânica para chefiar a seção da Enciclopédia Barsa, editada em 1963. Concluído o trabalho, foi redator do JORNAL DO BRASIL, tendo sido enviado, em 1968, ao Vietnã para cobrir a guerra. Em 1967, publica o romance QUARUP, onde tenta mostrar “o extenso caminho de um homem da Igreja rumo à conscientização política dentro de um painel da vida brasileira” no período de 1954 a 1964. O romance foi transformado em filme pelo cineasta Ruy Guerra. Em 1969, dá a lume o livro reportagem VIETNÃ DO NORTE, onde relata sua experiência na guerra.
Sua intensa atividade jornalística o levou a Colômbia, Estados Unidos da América e Cuba, sem falar nas diferentes regiões do Brasil, particularmente o Xingu: “assim que cheguei ao Brasil, tomei uma “gaiola” e subi o rio Amazonas, até Manaus. Em 1951, fiz minha primeira viagem ao Xingu, roteiro que repetiria muitas vezes, incluindo o Parque Nacional. Conheci e admirei o trabalho dos irmãos Villas Boas, e senti, traumatizado, como a floresta vai encolhendo debaixo do pé do índio. A isso se juntaram duas estadas em Pernambuco: em 1959, para escrever sobre as ligas camponesas, e em 1963, ano em que realmente vi, pela primeira vez, um governo popular no Brasil. Manteve-se a ordem democrática, mas ao mesmo tempo se fez uma verdadeira revolução na região: alfabetização em massa mas eficiente, justo arbítrio nas questões entre empregados e senhores de engenho. Lá vi um sistema pedagógico de governo” (Revista VEJA, 14/07/76). Esses contatos com gentes, fatos e desigualdades sociais influenciaram suas reportagens e obras literárias, a ponto de sofrer duas prisões. Uma em 1964, por ocasião do movimento militar; e outra em 1968, após o fechamento do Congresso Nacional com o Ato Institucional nº 5.
Foi Professor Visitante no Corpus Christi College, Universidade de Cambridge, Inglaterra, em 1974, e, no ano seguinte, aposentou-se como jornalista, sem parar no entanto de colaborar com a imprensa.
Em uma entrevista à Revista VEJA, em 1976, quando perguntado sobre o engajamento político de suas obras, respondeu: “Respeito quem separa a posição política da obra literária. (...) Não acho que seja obrigatório o autor fazer uma obra de cunho político. O que me choca é a tendência crescente de os nossos grupos intelectuais se alienarem da vida do país. Quanto a mim, ainda que pudesse ou sentisse a possibilidade de fazer uma obra literária inteiramente abstrata, jamais conseguiria ir contra minha natureza:preciso, sempre, exprimir alguma coisa”.
Segundo ele, “a literatura é esta vida multiplicada que fornece uma descarga de energia ideológica, que dá um impulso de ação. Que ação? É a vontade de atuar sobre a sociedade que está em volta. Não se faz uma coisa em nome de nada. Esse nadismo eu realmente não entendo, nem o papo de “Ah, o mundo é assim mesmo, deixa pra lá”.
Em 1977, casou-se com a professora e jornalista Ana Arruda Callado.
Suas obras mais importantes QUARUP (1967); BAR DON JUAN (1971),onde traça um retrato psicológico da “esquerda festiva”, que conheceu muito bem, “com aquela impaciência do revolucionário que quer chegar rápido demais aos resultados”, segundo suas próprias palavras, “evocando a época dos seqüestros no Rio de Janeiro, em 1969”; REFLEXOS DO BAILE (1976), considerado sua obra-prima; e SEMPREVIVA (1981) procuram retratar o Brasil sob o regime militar porém do ponto de vista dos opositores. Este último foi agraciado com o Prêmio Goethe-1982, concedido pelo Goethe Institut do Rio de Janeiro.
No segundo semestre de 1981, foi Professor Visitante na Universidade de Colúmbia, Nova Iorque.
Entre suas obras teatrais constam A CIDADE ASSASSINADA (1954), FRANKEL (1955), PEDRO MICO (1957), COLAR DE CORAL (1957), O TESOURO DE CHICA DA SILVA (1962) e FORRÓ NO ENGENHO CANANÉIA (1964). O livro A REVOLTA DA CACHAÇA (1983) reúne quatro peças de teatro de sua lavra, dentre elas PEDRO MICO (1957), posteriormente levado às telas do cinema.
Dentre seus prêmios literários figuram o Prêmio Brasília de Literatura (1985), da Fundação Cultural do Distrito Federal; Medalha das Artes e das Letras (1985), do Ministério da Cultura da França; Prêmio Golfinho de Ouro de Literatura (1986), do Governo do Estado do Rio de Janeiro; Troféu Juca Pato-1989, da União Brasileira dos Escritores.
Em 1987, participou do “Salon du Livre”, em Paris, a convite do Ministério da Cultura da França; e, em 1990, representou o Brasil na semana “De Gaulle en son Siècle”, comemorativa do centenário do General Charles de Gaulle.
Em 1992, tornou-se colunista do jornal FOLHA DE SÃO PAULO e, em 17 de março de 1994, foi eleito para a Cadeira nº 8, da Academia Brasileira de Letras, sucedendo Austregésilo de Athayde.
Faleceu no Rio de Janeiro, RJ, no dia 28 de janeiro de 1997.
A principal característica da vida e da obra de ANTONIO CALLADO é o engajamento social e político desenvolvido por sua intensa atividade como jornalista, que o qualifica como intelectual consciente do seu papel na sociedade do seu tempo.
Existem escritores que escrevem o que os leitores querem ler, diferentes daqueles que escrevem para as pessoas pensarem.
ANTONIO CALLADO enquadra-se no segundo grupo por isso sofreu com a repressão e a mordaça do período militar, o que foi recompensado com as inúmeras honrarias e prêmios que recebeu, culminando com a sua eleição para a Academia Brasileira de Letras.
A ele a minha homenagem.
LITERATURA CONSULTADA
1. ANTONIO CALLLADO. www.academia.org.br/cads/8/antonio.htm
2. ANTONIO CALLADO, EM NOME DA CONSCIÊNCIA. Entrevista concedida à
Revista VEJA (14/07/1976) a João Marcos Coelho. Almanaque Abril 2002 (CD Rom).
3. ESTHER ROSADO. Quarup. Nave da Palavra, ed. Nº 3, 28/05/1999.
www.navedapalavra.com.br
terça-feira, junho 08, 2004
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário