quarta-feira, junho 16, 2004

A AGRICULTURA BRASILEIRA SOB A ÓTICA DE POLICARPO QUARESMA

A AGRICULTURA BRASILEIRA SOB A ÓTICA DE POLICARPO QUARESMA

Paccelli M. Zahler

O funcionário público Policarpo Quaresma, subsecretário do Arsenal de Guerra e conhecido como major Quaresma, foi um idealista apaixonado pelo Brasil. Todos os seus atos sempre visaram a solução dos problemas nacionais.
Não foi à toa que ele se dedicou a estudar a fundo os costumes nacionais, as raízes, o folclore, sempre como autodidata. E, partindo do princípio que os índios foram os primeiros habitantes do Brasil, concluiu que o idioma nacional não deveria ser o português, mas o tupi-guarani – “o único capaz de traduzir as nossas belezas!”
No requerimento que enviou ao Congresso Nacional, justificava que “o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se vêem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos donos da língua”, acrescentando que “em nosso país, os autores e escritores, especialmente os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical, vendo-se diariamente, surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma”.
Sua proposta virou motivo de chacota em todos os jornais e alguns passaram a considerá-lo louco.
Sua situação ficou ainda pior quando, por descuido, um ofício, por ele traduzido para o tupi-guarani, foi assinado pelo diretor do Arsenal de Guerra e enviado para o ministro. Como resultado, recebeu uma suspensão disciplinar e foi internado em um hospício.
Tempos depois, já tendo recebido alta, inspirou-se novamente e decidiu provar a todos que a agricultura brasileira tinha solução.
Não cansava de dizer que “a nossa terra tinha todos os climas do mundo e que era capaz de produzir tudo o que era necessário para o estômago mais exigente”.
É interessante notar que, mesmo sem ter tido uma formação superior, Policarpo Quaresma se dedicava de corpo e alma às pesquisas que empreendia. Assim, antes de investir suas economias na compra do Sítio Sossego, no município de Curuzu, RJ, fez um estudo completo de viabilidade técnica.
Pesquisou o preço das frutas e legumes, buscou informações nos boletins da Associação da Agricultura Nacional, estimou a produção média de cada hectare cultivado, os salários e as perdas inevitáveis. Pesou a relação custo/benefício, “não por ambição de fazer fortuna, mas por haver nisso mais uma demonstração das excelências do Brasil”.
No momento da compra do sítio, escolheu um bem maltratado e abandonado só para ter a oportunidade de demonstrar “a força e o poder da tenacidade, do carinho, no trabalho agrícola”. Do seu exemplo, “nasceriam mil outros cultivadores, estando em breve a grande capital [na época a cidade do Rio de Janeiro] cercada de um verdadeiro celeiro, virente e abundante a dispensar argentinos e europeus”.
Ao estabelecer-se no sítio, seu primeiro trabalho foi fazer um inventário dos minerais, dos vegetais e dos animais lá encontrados. Isto foi possível porque estudara a fundo, como autodidata, a Botânica, a Zoologia, a Mineralogia e a Geologia.
Reuniu amostras de arbustos em um herbário, colecionou madeiras em pequenos tocos seccionados longitudinal e transversalmente, e catalogou animais e minerais.
Organizou uma biblioteca agrícola com livros nacionais, franceses e portugueses, e adquiriu termômetros, barômetros, pluviômetros, higrômetros e anemômetros para estudos agrometeorológicos.
Sua preocupação em aplicar conhecimentos científicos à agricultura logo se chocaram com os conhecimentos práticos de seu empregado, o qual havia nascido e crescido na roça. Este costumava dizer que lá todos sabiam “de olho” quando iria chover muito ou pouco. Depois, era “só capinar, pôr a semente na terra, deixar crescer e apanhar”.
Policarpo levava em conta as observações práticas de seu empregado, mas procurava aproveitar racionalmente o terreno cultivado. Como entre uma linha e outra da lavoura de milho ficava um espaço, ele plantava batata-inglesa nos intervalos. Fazia uma consorciação de culturas, hoje recomendada pelos engenheiros agrônomos.
Apesar de todo o trabalho de abrir uma nova área de plantio com a enxada, não permitia o uso do fogo – as famosas queimadas! Dessa maneira, aproveitava os paus mais grossos como lenha e evitava que o fogo acabasse com a fertilidade do solo ao destruir a matéria orgânica e os microorganismos que nele habitam.
Não admitia o uso de adubos químicos em sua propriedade. Para quê, “se temos as terras mais férteis do mundo?”, perguntava.
Policarpo praticava a agricultura orgânica, aproveitando os restos orgânicos, as fezes dos animais, para adubar a terra e restaurar seu equilíbrio.
Seu pomar era um capricho só. Não descuidava de fazer uma poda de limpeza para tirar os galhos velhos e mortos e extirpar as ervas daninhas, conseguindo renovar as velhas árvores, há dez anos abandonadas.
Apesar de todo o cuidado, sua propriedade não escapou do ataque as saúvas e dos fungos. Neste caso, aplicou formicida nas principais aberturas do formigueiro e sulfato de cobre [até hoje usado pelos agricultores como fungicida] no milharal para controlar os fungos.
Chegou, então, o grande momento – a colheita!
“A sua alegria foi grande. Pela primeira vez, ia passar-lhe pelas mãos dinheiro que lhe dava a terra, sempre mãe e virgem”.
Em Curuzu, não havia mercado. Foi ao Rio de Janeiro oferecer abacates no Mercado [Público]. Encontrou comprador e voltou para casa contente.
Ao fazer os cálculos do dinheiro recebido, descontados os custos de produção e o frete, descobriu que o comprador havia pago “pelo cento [de abacates] a quantia com que se compra uma dúzia”.
Mesmo assim não desanimava. “Para o ano, o lucro seria maior”, dizia para si mesmo.
A história se repetiu com as abóboras, os aipins e as batatas-doces.
Para piorar, a peste atacou galinhas, perus e patos, devastando o galinheiro “ e não havia quem pudesse curar. Numa terra, cujo governo tinha tantas escolas que produziam tantos sábios, não havia um só homem que pudesse reduzir, com suas drogas e receitas, aquele considerável prejuízo”.
O golpe de misericórdia veio ao receber a intimação de que deveria pagar 500 mil réis de multa à Prefeitura de Curuzu “por ter enviado produtos de sua lavoura [para outro mercado] sem pagamento dos respectivos impostos”.
Surpreso, perguntava-se: “Como era possível prosperar a agricultura com tantas barreiras e impostos? Se ao monopólio dos atravessadores do Rio [de Janeiro] se juntavam as exações do Estado, como era possível tirar da terra a remuneração consoladora?”
Como se pode ver, a experiência de Policarpo Quaresma, brilhantemente narrada por Lima Barreto em folhetins do JORNAL DO COMÉRCIO em 1911 e em livro no ano de 1915, permanece atual.
Os problemas enfrentados pelos agricultores brasileiros no final do século passado e início do século XX permanecem os mesmos neste ano de 1998.
Tem-se a produção e não se tem mercado; tem-se mercado mas os impostos e os atravessadores ficam com a maior parte do lucro.
Hoje em dia, com a globalização da economia e a regionalização dos mercados, os pequenos e médios produtores como Policarpo Quaresma enfrentarão muitas dificuldades se não houver uma política governamental voltada para eles.
Não haverá maneira de competir com produtores estrangeiros cuja produção é subsidiada por seus respectivos governos. Aliás, no livro de Lima Barreto há uma crítica ao governo brasileiro com relação ao apoio dado, na época, aos imigrantes italianos e alemães: “Pela primeira vez, [Policarpo] notava que o descaso do governo era só para os nacionais; para os outros, todos os auxílios e facilidades, não contando com a sua anterior educação e apoio dos patrícios”.
Alguém pode estar curioso para saber qual teria sido o TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA. Com certeza, a causa foi o seu profundo amor pelo Brasil, mas é melhor deixar que Lima Barreto conte a história direitinho, não é mesmo?

(Publicado na Revista BRASÍLIA nº 77, maio de 1998, p. 12-13)

O BEIJO PERDIDO

O BEIJO PERDIDO, de Von Steisloff

Paccelli M. Zahler1

Eis que, depois de muito andar pelo mundo em cumprimento à sua missão cármica de mostras e demonstrar o valor das virtudes aos poderosos, von Steisloff nos brinda com a revelação de um segredo do passado.
Piazito de São João Del Rei, MG, em tenra infância radicou-se em Ouro Fino, cidade mineira próxima da fronteira com o Estado de São Paulo, onde o pai fora servir como militar do Exército Brasileiro durante a Revolução de 1930.
Lá pelo início da década de 1940, em aulas de natação ministradas por professores germânicos, ele conhece Paola.
O contato semanal dos dois cria um vínculo muito forte de amizade, mais tarde transformada em um amor pueril, virginal, puro, tragicamente interrompido pelo naufrágio do navio de passageiros Baependi, torpedeado por submarinos alemães na costa do Estado de Sergipe em 1942.
Morre Paola sem cumprir a promessa de dar um beijo no menino Steisloff como presente de aniversário.
O guri cresce jurando vingança, sabedor que,um dia, iria encontrar-se com o comandante do submarino alemão responsável pela tragédia que abalou sua vida e fazê-lo pagar a perda de sua bem-amada Paola.
Já na meia idade, vivendo no Rio de Janeiro, é convidado a participar de uma festa promovida pela comunidade judaica.
Qual não é a sua surpresa ao deparar-se com aquele que havia contribuído para a morte de Paola por afogamento a bordo do navio Baependi.
Sim, era ele mesmo, o comandante Harro Schacht!
Todo o seu ódio aflorou e todo o seu passado voltou ao ver o culpado ao alcance de suas mãos.
Como o Destino havia sido tão sábio ao colocá-los frente a frente?
A resposta parece simples, pois os judeus também queriam vingar-se do comandante germânico. Friamente, eles pretendiam usar von Steisloff como instrumento de vingança e jogá-lo fora depois.
Von Steisloff descobre-se usado, “coisificado”, descartável, e comprova que o Fatalismo nem sempre é uma Lei Universal, pois o livre-arbítrio pode mudar o curso dos acontecimentos como o comandante de um navio singrando os mares mesmo revoltos.
O comandante alemão, por sua vez, cumprira ordens do Führer e, talvez, em seu íntimo, nunca desejara torpedear um navio de passageiros como o Baependi na madrugada de 16 de agosto de 1942.
Os judeus nunca perdoaram os alemães pelas atrocidades cometidas nos campos de concentração nazistas e estavam sempre dispostos à vingança, não importando os meios para atingir os seus sórdidos objetivos.
Graças à sua inteligência e sagacidade, von Steisloff soube distinguir o Bem e o Mal e, demonstrando uma grandeza de alma, perdoou e salvou a vida daquele odiado comandante que fora o pivô do afogamento de Paola.
Com esse gesto, certamente recebera de Paola, de onde ela estivesse, o beijo que imaginara perdido.

terça-feira, junho 15, 2004

Auto-retrato


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domingo, junho 13, 2004

AMOR:CHAVE DE OURO QUE ABRE TODOS OS CORAÇÕES

AMOR:CHAVE DE OURO QUE ABRE TODOS OS CORAÇÕES

Paccelli M. Zahler

Falado no mundo inteiro,
Nem sempre compreendido.

Amour, amore, amor ...

O amor é um paradoxo,
Pois rima com simpatia,
Amizade, namoro, carinho,
Paz, caridade, afeição.

O amor é chave de ouro
Que abre todos os corações.

sábado, junho 12, 2004

AS ESPERANÇAS SE RENOVAM

AS ESPERANÇAS SE RENOVAM

Paccelli M. Zahler


Há muito pergunto sobre o que significa para mim a passagem do Ano Novo. Não encontro a resposta, só um sentimento místico.
De um modo geral, não me atrevo, nem tenho vontade de sair de casa a partir do meio-dia de 31 de dezembro. Assim me comporto há muitos anos.
Passo a tarde na expectativa da transmissão da corrida de São Silvestre pela TV.
Assistir a dedicação e o empenho dos corredores me reporta ao ambiente de trabalho. Naquele momento, costumo rememorar as tarefas concluídas e aquelas ainda em fase de conclusão. Porém, como o ano vai terminar, bebo algumas taças de vinho espumante e, por alguns momentos, medito sobre o que passou.
Para mim, é fundamental passar o Ano Novo com a família, de preferência, em um jantar à luz de velas, que significam a iluminação do caminho a ser trilhado.
Não se sabe se, na próxima comemoração, todos estarão presentes.
Pode parecer pessimismo ou pensamento negativo, contudo, é uma das leis da vida da qual não se pode fugir tampouco deixar de ser observada.
No último dia do ano, não costumo fazer planos ou promessas, muito menos simpatias. Entendo que os rumos da vida da gente resultam da disciplina, da persistência, das oportunidades e do acaso que, combinados, determinarão o sucesso ou o fracasso de uma empreitada.
Fora do círculo familiar, as coisas continuarão acontecendo como sempre. Não é preciso ser vidente, recorrer a Nostradamus, ao tarô ou ao jogo de búzios para fazer previsões.
O mundo assemelha-se a uma roda. Não é à toa que gira.
Todos os anos, chuvas provocam inundações, ventos e tufões derrubam casas, pessoas importantes e anônimas morrem, terroristas fazem atentados em metrópoles, a violência urbana tem aumentos sazonais, redes de corrupção são desbaratadas, curas para doenças são descobertas, inquéritos policiais são arquivados, maravilhamo-nos com fenômenos naturais.
O segredo é passar incólume por tudo isso, cultivando e renovando os ideais e esperanças.

MOMENTO CRÍTICO

MOMENTO CRÍTICO

Paccelli M. Zähler


Deslocando-se de ônibus do aeroporto de Cumbica em direção à Praça da República, não parava de cantarolar mentalmente a música “Sampa”, de Caetano Veloso.
Era difícil vir a São Paulo sem que a música lhe viesse à mente. Era uma compulsão.
Sofria ao pensar em enfrentar mais uma rodada de reuniões de negócios.Viajar a serviço era uma tortura. O que podia fazer se São Paulo é o centro dos negócios do país?
O pior de tudo, além de sair do conforto do lar, era ter que redigir o relatório da viagem para justificar os gastos da instituição em que trabalhava.Entretanto, era preciso ganhar o “pão de cada dia”.
Ah, se fosse possível dar uma escapulida até uma pizzaria no Bairro Cerqueira César ou, quem sabe, tomar um chope gelado para descontrair em um final de tarde, observando o movimento da cidade. Porém, não era assim que as coisas funcionavam.
Negociar é uma arte que nem sempre traz resultados animadores. Quando viera a São Paulo pela última vez, ficara entusiasmado. Todavia, graças ao vira-casaca do Joaquim, as coisas se reverteram e ele teve que refazer o trabalho.
Respirava fundo, tentando aspirar a energia mais positiva que houvesse. Suava frio ao imaginar-se preso novamente ao traje de passeio completo.
O ambiente urbano lhe fazia bem. Duro mesmo era ter que enfurnar-se na sala de reuniões, impregnada de fumaça de cigarro, com pessoas não muito amáveis a buscar soluções, a fazer jogo de palavras, a tentar virar o jogo a seu favor. Sim, a negociação é um jogo.
Começou a sentir uma dor no peito. Não era infarto. Era ansiedade.
No quarto do hotel, revia mentalmente o ambiente, os contendores, os estratagemas para obter resultados positivos e obter a tão almejada promoção. Depois, era só relaxar e tirar umas férias.
Um frio percorreu a sua coluna vertebral. “Até quando iria levar aquela vida?”, perguntava-se.
Cada vez que enfrentava uma reunião de negócios sentia palpitações, vertigens, insegurança, apesar de toda a aparência de durão. Valia a pena? Não seria mais interessante juntar as suas economias e montar o próprio negócio, já que tinha experiência com grandes corporações?
Após a reunião final, enviou o relatório do trabalho, juntamente com uma carta de demissão, pelo correio expresso.
Decidiu refazer a vida profissional em São Paulo.

UMA VIAGEM NO TEMPO

UMA VIAGEM NO TEMPO

Paccelli M. Zahler

Sempre trouxe comigo a imagem da inauguração da passarela do Passo do Onze.Com o passar dos anos, a data exata do acontecimento foi apagada da minha memória.
Outro dia, recebi pelo correio um exemplar do livro “Governos e Governantes de Bagé (1964-1978)”, de autoria do Prof. Cláudio de Leão Lemieszek. Qual não foi a minha surpresa ao descobrir que o fato havia ocorrido em 1968 e que a minha imagem, aos 10 anos de idade, ficara registrada na foto oficial da inauguração, juntamente com a das autoridades e convidados.
Sim, eu estava presente. Na verdade, eu estava brincando na rua e vi alguns carros passando em direção ao Passo do Onze. Curioso, fui ver o que era. Alguém fez um pequeno discurso declarando inaugurada a passarela, todos se reuniram para uma foto e me convidaram também.
Eu estava envergonhado por não estar vestido adequadamente para a ocasião, mas me puxaram para o grupo. E lá saí, de calças curtas e, salvo engano, com um caniço na mão, postado à direita, torcendo para ficar de fora.
Quatro anos antes, no mês de março, havia sido inaugurada a maternidade do Hospital São Sebastião.Nestes mesmos ano e mês, nascia a minha irmã Marininha.
A cidade estava em efervescência. Os militares se agitavam, os quartéis estavam prestes a entrar de prontidão. Na minha memória, a imagem de um hospital limpinho e a minha primeira “viagem” de elevador.Exato, a minha irmã nascera na recém-inaugurada maternidade do Hospital São Sebastião.
Em agosto de 1972, já no Ginásio do Colégio N.S. Auxiliadora, nasceu minha irmã Rosângela.Naquele mês, havia sido lançada a campanha promocional “Bagé em expansão”, que tinha como carro-chefe a marcha “Bagé, terra da gente”, a mesma que cantei na Praça Silveira Martins, sob a regência da Profa. Gilca Nocchi Collares, como integrante do Coral do Colégio N.S. Auxiliadora, juntamente com outros corais ali reunidos.
Eu já havia lido os dois volumes de “Bagé, relatos de sua história”, também de autoria do Prof. Cláudio de Leão Lemieszek.
Longe de Bagé há 22 anos, confesso que fiquei tremendamente emocionado e os devorei em uma semana.
Apesar da modéstia do autor que costuma dizer que sua pretensão é informar e “provocar os verdadeiros historiadores e pesquisadores a pesquisar e ensinar” sobre a história de Bagé, os livros prendem a atenção do leitor do começo ao fim, aguçam a imaginação e nos fazem recuar no tempo para reviver fatos e resgatar nossas raízes.
No período de 1964 a 1968, fui aluno do Orfanato São Benedito. Eu havia conhecido aquele educandário como uma escola de freiras.Pois não é que a instituição foi fundada em 1909 pela Sra. Luciana Leopoldina de Araújo, conhecida como Mãe Luciana, que viera de Pelotas? Para mim, uma novidade.
E ao ler sobre o Orfanato São Benedito, imediatamente vieram imagens da minha infância, da minha primeira professora, a Irmã Glorina; da minha professora de matemática, a Irmã Dirce; dos piqueniques em São Domingos; dos meus colegas, Mara Rubia, Éber, Marcos, Ieda, Magda.
Algumas páginas adiante, o Colégio N.S. Auxiliadora, fundado em 1904 pelo Padre Germano, do qual eu guardo as melhores lembranças da minha vida, pois lá fiquei de 1969 a 1976, e fui agraciado com o “Troféu Aluno Distinção – 1976”, uma deferência do Círculo de Pais e Mestres, que até hoje eu faço questão de honrar.
Tive que fazer um esforço tremendo para segurar as lágrimas ao lembrar-me dos meus professores, Prof. Gesner Carvalho (Física), Prof. Frederico Petrucci (Geografia), Prof. Boaventura Rosa (Ciências e Desenho), Prof. Camilo Moreira (História), Prof. Contreiras (Geografia), Padre Adolfo dos Anjos (Matemática), Padre José Balestieri (Matemática), Padre Lino Fistarol (Português), Prof. Ernesto Wayne (Literatura).
Não poderiam ficar de fora meus amigos e colegas André Brandi, Cláudio Falcão de Azevedo, José Pedro Fuchs, Arlindo Almeida, Soraia Malafaia Collares, Maria Cristina Borralho, Lucinei Silveira, Nelson Neder Kalil, Carlos Sá Costa, Gobbo, e tantos outros que a memória me traz apenas a fisionomia, não os nomes, porém, não os esqueci.
Os livros do Prof. Cláudio Lemieszek proporcionam uma viagem no tempo através de uma história da qual fomos atores. São o refrigério para o espírito do bageense distante da sua terra natal, mostram que temos raízes valorosas arduamente plantadas nesse nosso chão por nossos ancestrais e que temos a obrigação de dar continuidade com o nosso suor.


sexta-feira, junho 11, 2004

O ANIVERSÁRIO DA RÁDIO DIFUSORA

O ANIVERSÁRIO DA RÁDIO DIFUSORA

Paccelli M. Zahler

A Rádio Difusora, a voz de Bagé, foi inaugurada em 27 de fevereiro de 1956. Nessa data, era tradição na cidade a apresentação de bandas e fanfarras em frente aos estúdios da empresa em homenagem ao aniversário daquele importante veículo de comunicação que, juntamente com a Rádio Cultura e a Rádio Clube, facilitava a integração e difundia notícias de interesse da Região da Campanha do Rio Grande do Sul.
Se minha memória não me engana, tudo aconteceu lá pelo ano de 1973, quando eu era integrante da Banda Marcial do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora que, por sua vez, tinha a regência do Padre Lino Fistarol.
Na Semana da Pátria, havíamos estreado os nossos novos uniformes. Calça branca, luvas brancas, polainas brancas sobre sapato preto, túnica vermelha com galonas douradas, quepe com penachos de náilon, acrescidos de uma afinação primorosa.
Fomos convocados durante as férias escolares para os ensaios visando a apresentação em frente aos estúdios da Rádio Difusora. Iríamos tocar o “Parabéns a Você” em ritmo de valsa e nada podia dar errado.
O capricho foi tanto que alguns músicos da Banda da 3a. Brigada de Cavalaria Mecanizada iam freqüentemente aos nossos ensaios para nos ensinar algumas técnicas e ajudar o Padre Lino Fistarol no aperfeiçoamento das nossas evoluções.
Para uma apresentação impecável, passamos mais de mês ensaiando todos os dias.
No dia marcado, nos concentramos em frente ao Colégio, fizemos a volta na Praça de Esportes em formação, nos posicionamos próximos à Farmácia Rio Branco e, a um sinal do trompete do Padre Lino Fistarol, começamos a desfilar na Avenida Sete de Setembro em direção ao prédio da Rádio Difusora, tocando um trecho da obra “Aída” de Verdi, nossa peça de abertura.
Em fevereiro, pleno verão, as temperaturas em Bagé são bastante elevadas. Como o sol batia diretamente no prédio, por uma questão de conforto para os convidados, o palanque havia sido posicionado do outro lado, à sombra, na calçada oposta ao edifício sede da Rádio Difusora.
O mestre de cerimônias era o Prof. Frederico Petrucci, nosso professor de geografia e apresentador de um programa radiofônico dominical de música erudita naquele veículo de comunicação.
Quando chegamos ao prédio da Rádio Difusora, permanecemos virados para o sul, na direção da Praça Silveira Martins, enquanto o mestre de cerimônias fazia as apresentações, ressaltando o trabalho da Rádio Difusora e a tradição da presença da Banda Marcial do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora no evento.
No momento de tocar o “Parabéns a Você”, o Padre Lino Fistarol ficou preocupado porque havíamos ensaiado para ficarmos de frente para o prédio da homenageada. Sinalizou, então, com o seu trompete, para virarmos para o palanque. Alguns de nós não entenderam o sinal, eu inclusive, e viraram para o prédio da Rádio Difusora. Foi o maior vexame! Metade dos membros da Banda ficaram voltados para o prédio e a outra metade para o palanque.
A coisa piorou quando os que estavam virados para o palanque viraram para o prédio e os que estavam virados para o prédio voltaram-se para o palanque.
Ficamos paralisados, ouvindo o roçar dos sapatos nos paralelepípedos virando para cá e para lá.
Quando acertamos a posição, com todos virados para o palanque, o Padre Lino Fistarol estava mais vermelho que a nossa túnica.
Houve um momento de silêncio, seguido de uma tremenda vaia do público, especialmente dos nossos arqui-rivais da Banda do Colégio Estadual Dr. Carlos Kluwe que haviam se apresentado momentos antes.
O Padre Lino Fistarol respirou fundo, deu o sinal para tocarmos o “Parabéns a Você” e tocamos. Tocamos e tocamos com garra, com a alma. Fizemos algumas evoluções e retornamos ao Colégio Nossa Senhora Auxiliadora mortos de vergonha.
No outro dia, não se falava em outra coisa a não ser o vexame da Banda Marcial do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, orgulho do Padre Lino Fistarol.
Lembro-me do Chico comentando que seu pai estava na platéia, feliz da vida, falando para todo mundo que tinha certeza que a nossa apresentação seria a melhor de todas pois tínhamos no repertório trechos de várias peças clássicas.
No momento do episódio, ele teve vontade que o chão se abrisse, contudo ficou repleto de alegria quando a homenagem à aniversariante foi, no mínimo, impecável. E teria repetido, praticamente em transe, para os que o cercavam:”Eu disse que eles tocavam bem! Eu disse que eles tocavam bem!”

(Publicado na Revista Acadêmica, nº 7, nov/dez 2001, p.60-61)


TEU SILÊNCIO

TEU SILÊNCIO

Paccelli M. Zahler

Bastou um olhar
Pra que eu entendesse...

Hoje nada sou,
Nada significo
E não me importo!

Não tenho motivos
Pra te encontrar!

Não sentirei tua falta,
Não chorarei por ti,
Não te procurarei,
Nem olharei pra trás
Quando for embora.

Teu silêncio disse tudo
O que eu não queria ouvir!

ENEIDA

ENEIDA

Paccelli M. Zahler

Mergulho no azul
Dos teus olhos
E viajo...
Sinto o universo
Em harmonia
Envolver meu corpo,
Compreendendo por que a vida,
Às vezes, pesada e breve,
Torna-se eterna e leve
Sob a luz
Dos teus olhos.

NOVOS TEMPOS

NOVOS TEMPOS

Paccelli M. Zahler

Se eu não telefonar
E fingir não lembrar,
Não é pra estranhar:
- O telefone subiu!

Se não te convidar
Pra sair e jantar,
Não é pra estranhar:
- O cardápio subiu!

Se eu não postar
Uma carta e gritar,
Não é pra estranhar:
- O selo subiu!

Se eu não te olhar
E tergiversar,
Não é pra estranhar:
- O salário sumiu!

Se tudo mudar
E eu comemorar,
Não é pra estranhar:
- O Presidente caiu!

ÔNIBUS METROPOLITANO

ÔNIBUS METROPOLITANO

Paccelli M. Zahler

A lotação máxima é de quarenta e sete passageiros,
Mas oitenta deles entulham o corredor.
O motorista impaciente,
O cobrador irritado,
A passagem - um absurdo!
A falta de respeito
Com o passageiro cansado.

A mão boba,
O sovaco suado,
A flatulência fétida,
A carteira batida,
O usuário estressado.

O veículo sem manutenção,
O Departamento de Trânsito com a razão,
Bem como a empresa, o motorista e o cobrador,
O alívio do ponto final...
Afinal!

BANCO ELETRÔNICO

BANCO ELETRÔNICO

Paccelli M. Zahler

Tecle!
Téc!
Opção?
Téc!
Agência?Conta?Senha?
Téc, téc, téc, téc!
Aguarde, processando!

Bip!Bép!Bip!Pléim!

Sem comunicação
Com o computador central.
Vá ao décimo-quarto andar (pela escada)
E procure o terminal.

Por que essa cara?
Pelo pequeno transtorno?
Sossegue, estamos obrando
Pro seu conforto!

VIAGEM

VIAGEM

Paccelli M. Zahler

A vida passando,
Passando, passando
Com a rapidez do raio.

O rosto enrugando,
O cabelo caindo,
O corpo encurvando,
Amigos partindo.

Caminho sem volta,
Passagem de ida,
Não se sabe pra onde.

NA MADRUGADA

NA MADRUGADA

Paccelli M. Zahler

Chego em casa,
Na madrugada.
Teu perfume
Em minhas roupas,
O sabor do teu beijo
Em minha boca.

Melhor seria,
Na madrugada,
O calor do teu corpo
Junto ao meu,
O gosto de tua boca
Em minha boca.

VENTAVA

VENTAVA

Paccelli M. Zahler

Ventava...
E naquela estrada
Cabelos esvoaçavam,
Folhas secas rolavam,
Arranhando o chão.

Arbustos vergavam
E a poeira subia,
O vento assoviava,
Saci-Pererê?

Ventava...

Um coração
Batia lentamente,
A cada passo, uma dor.
O vento arrepiava a alma,
Mexia com o corpo,
Como se tocasse um sino.

O toque era triste
Como no réquiem
E ecoava campo a fora
Dizendo:
- Estou com saudades!

O MAR

O MAR

Paccelli M. Zahler

Com suas águas profundas
O mar está longe de mim
Me deixa pequeno
Me deixa com medo

Apreciar a paisagem
A praia - que bela visão!
Melhor que as grades
Que me sufocam - solidão!

INVERNO

INVERNO

Paccelli M. Zahler

O frio vem do sul
Trazendo desconforto.
Nada de novo
No calor da lareira.

Não fosse a esperança
Nas asas do vento,
Reinaria o tédio
Na floresta de pedra.

ÚLTIMO PROTESTO

ÚLTIMO PROTESTO

Paccelli M. Zahler

Um pássaro cantou
No alto do arranha-céu
-Seu último grito!

Seu corpo rolou,
Sem escarcéu,
Perdendo-se...

Seu protesto ecoou
Em meio ao concreto,
Libertando seu espírito.
Que flutuou no espaço.

Fugindo da selva de pedra,
Foi pousar pra sempre
Nas mãos do infinito.

TEMPO

TEMPO

Paccelli M. Zahler

Hoje o tempo parou!
Não quero trabalho,
estresse,
chateação.

Quero ar puro,
paz,
silêncio

E um beijo doce
De quem me ama!

PRIMAVERA

PRIMAVERA

Paccelli M. Zahler

Brisa suave
Acariciando a face
Gotas de orvalho
Irrigando a terra
Flores se abrindo
Exalando perfume
Na manhã fresca
De primavera.

E o frescor de tua pele,
Teu perfume e carinho,
O calor do teu beijo
Superando os espinhos,
Quando te abraço
Buscando conforto,
Me dizem, com certeza:
-Primavera é teu corpo!

HARMONIA

HARMONIA

Paccelli M. Zahler

A paz
Invade meu corpo
E me transporta pra longe.
Conforta e anima,
Me joga pra cima,
Me preenche e transforma.
Não sou mais gente,
Apenas semente
Germinando inocente
No compasso das horas.

CRISE

CRISE

Paccelli M. Zahler

Não tenho idéias,
Não tenho nada.
O vento levou...

Nas trevas da noite
-Escuridão da vida,
Não sei quem sou.

Fantasmas, mistérios
Na noite fria...
Pra onde vou?

DESENCONTRO

DESENCONTRO

Paccelli M. Zahler

Tua presença aquece minha alma
Como os primeiros raios de sol
Após longa noite de inverno.
Meu coração bate diferente
E volta a ser adolescente
Como se o tempo pudesse voltar.

Em minha mente fervilham versos
Que descrevem meus sentimentos
Que só podem ser compartilhados
Num longo e terno abraço
Quando nossos caminhos se encontram.

Porém, são breves encontros
Pois nossos caminhos são outros,
O suficente pra deixar saudade
E uma lágrima discreta
Guardada com propriedade.

ESTAÇÃO DAS FLORES

ESTAÇÃO DAS FLORES

(à Maria Telza)

Paccelli M. Zahler

É Primavera
- Estação das Flores!
O coração encerra
Sonhos e amores.

O Tempo que passa
Amadurece a gente,
Realçando a Beleza
Do Corpo, da Mente,...

Uma grande proeza
Em Tempos de Espera,
Onde só a Tristeza
Governa e impera.

Pra que desanimar
Na busca da Felicidade?
Pra que mergulhar
Na Negatividade

E deixar-se levar
Pela Escuridão
Com a Vida a vibrar
Em cada palmo de chão?

Basta seguir em frente,
Dizer "Não!" ao Calvário,
Viver intensamente
Cada Aniversário.

Mesmo em Tempo de Espera,
Tristeza e dissabores,
Afinal, é Primavera
- A Estação das Flores!

NOITE NA CIDADE GRANDE

NOITE NA CIDADE GRANDE

Paccelli M. Zahler

Na imensidão desta selva
cimento
asfalto
barulho
escuridão
camburão
solidão

crianças abandonadas
vagando
como almas penadas
pelas ruas e avenidas

tédio
estresse
neurose
impotência
violência

adultos esquecidos
de si
perdidos
consumidos
na noite escura.

A BOLINHA DE PAPEL

A BOLINHA DE PAPEL

Paccelli M. Zahler

A caneta caiu de ponta no papel.
Peguei a folha, fiz uma bolinha
E joguei-a, despretenciosamente,
Em direção ao céu.

O vento veio de qualquer direção,
Empurrou a bolinha pra cá e pra lá
E ela foi de encontro ao chão.

De longe, eu observava aquele movimento,
O papel riscado, o bailado da bolinha
Flutuando no ar ao sabor do vento,
Cujo sibilar eu ouvia.
E a bolinha que ia e vinha
Até ir de encontro ao chão,
Da minha vida, lembrar fazia.

Sou como aquela bolinha,
Jogada num céu chamado Mundo,
Levado pelo vento do Destino
Para um lugar Incerto,
Muito longe ou perto,
Desde que não seja, apenas, Chão,
Riscado pela Experiência
Dos anos vividos com Emoção.

INTELECTUAL

INTELECTUAL

Paccelli M. Zahler

Tantos anos perdidos
Nos bancos escolares
Aprimorando a mente,
Refinando o espírito
Com princípios
De Filosofia, Matemática,
Fé, Cidadania
E Amor à Pátria.

A mesma Pátria
Que hoje lhe vira as costas
Preferindo apadrinhados
Despreparados
Que nada sabem
(Nem querem saber)
Dos princípios
De Filosofia, Matemática,
Fé, Cidadania
E Amor à Pátria.

TEMPOS DE ESCOLA

TEMPOS DE ESCOLA

Paccelli M. Zahler

No princípio era o verbo,
Depois o sujeito e os objetos direto e indireto.
Substantivos, adjetivos e advérbio,
Complemento nominal,
Oração coordenada e subordinada.
A escola...
E um professor chato.
De gramática!
Ah, quanta saudade!

DESEJO

DESEJO

Paccelli M. Zahler

Esses teus lábios
Vermelhos como a casca da maçã
Parecem clamar por um beijo,
E beijá-los é o que mais desejo.
E quero mais ainda,
Trincá-los, afogar-me na umidade deles,
Lambuzar minha boca com teu batom.

Quero abraçar teu corpo,
Acariciar teus cabelos,
Sentir teu coração batendo forte
Bem junto ao meu.

Quero perder-me enroscado em ti
E esquecer da vida, do tempo, quem sou!
Quero adormecer, sonhar,
E quando acordar, sob a luz do novo dia,
Prender-te junto a mim
Para, num descuido teu,
Unir teus lábios aos meus
E começar tudo outra vez!

OBSESSÃO

OBSESSÃO

Paccelli M. Zahler

Esqueço de tudo
Esqueço do mundo
Perto de ti.

Aqui neste quarto,
Sufocado em desejo,
Somente teu beijo
Me faria feliz.

Distância tão grande,
Barreiras enormes,
Não sei se supero!
Quem sabe,te espero
Ou deixo pra lá...

Tentei não te ver,
Te negar, te esquecer,
Te exorcizar de mim
E não consegui!

Quase não me controlo
E sinto revolta...
O passado, as lembranças,
Um perfume, um sorriso,
Trazem tudo de volta!

MÃOS

MÃOS

Paccelli M. Zahler

Mãos que desfilam
Pelo teu corpo,
Percorrendo caminhos sinuosos,
Muitos vales e montanhas.

Mãos que sentem
Tua maciez
E estudam tua textura.

Mãos que encontram as tuas
Fazendo-me sentir
Algo diferente
- Elos de uma corrente
Ligados ao coração?

Mão que tocam teu rosto,
Conduzindo meus olhos
Na direção dos teus,
Permitindo-me ouvir
Os teus pensamentos.

Mãos que exploram teus cabelos,
Sentem teu calor
E as batidas do teu peito.

É neste momento
Que uma energia envolve meu corpo,
Fazendo-me esquecer do mundo
Num beijo terno.
Então, nossas mãos se encontram...
-Momento mágico, efêmero,
Porém, eterno!

ARTESÃOS

ARTESÃOS

Paccelli M. Zahler

Artesãos, quanto os admiro!
Música, poesia,
Pintura, canto,
Tapetes, adornos,...
Puro amor à Arte!

Passam pela vida
Desconhecidos,
Rodeados de amigos
Na mesa do bar.

Colorem com seu ofício
A vida da gente
E semeiam esperanças
Nos corações descrentes.

Admiro-os, artesãos!
Que provam diariamente
O poder de criação
Das mãos da gente.

QUANDO DE TI ME APROXIMO

QUANDO DE TI ME APROXIMO

Paccelli M. Zahler

Há uma força magnética
Emitindo luz brilhante,
Iluminando o horizonte,
Envolvendo meu corpo,
Trazendo imensa paz,
Quando de ti me aproximo.

No toque de tuas mãos
Pequenas e delicadas - mãos de fada!
Viajo, sonho, desintegro,
Acalmo, transporto, reintegro
Noutra dimensão do espaço,
Quando de ti me aproximo.

Tocando teu corpo,
Teu calor, cheiro, feromônio
Me deixam incandescente,
Qual estrela cadente
Riscando o céu estrelado,
Quando de ti me aproximo.

Não sei se é feitiço,
Magia negra, quebranto.
Sabe-se lá que força,
Energia, encanto,
Me envolvem e atraem tanto,
Quando de ti me aproximo.

E nessa mistura toda
De sonho, realidade, loucura,
Passam-se dias e noites,
Exceto tua presença
Que é mais forte e seduz
Quando de ti me aproximo.

SEM RUMO

SEM RUMO

Paccelli M. Zahler

Luz que me ilumina
Nesta tarde de maio
De seca e frio
Sol escaldante
Contrastes!

Caminho sem rumo
Na terra vermelha do cerrado.
A sede me ataca
E uma vontade de chegar
Não sei onde.

O azul do céu
Ainda belo e sem poluição...
Única coisa gratuita
Nesta sociedade capitalista,
Neste mundo cão!


Solidão!

REENCONTRO

REENCONTRO

Paccelli M. Zahler

Voltar a cantar,
Pássaro livre.
Voar, voar
No céu azul
Sob o sol brilhante.

Pousar contente
No galho da árvore.
Sentir o verde,
O cheiro do mato,
Longe do asfalto
E dos arranha-céus,
Num reencontro maravilhoso
E abençoado
Comigo mesmo.

ÁGUA VIVA

ÁGUA VIVA

Paccelli M. Zahler

Água, jóia preciosa,
Tom azul do planeta,
Bebida majestosa!

Água que nos envolve,
Nos dá vida, nos mata,
Força poderosa!

Deusa-mãe desprezada
A cada dia conspurcada
Como se fosse eterna.
Força motriz
Da vida na Terra,
Porém, até quando?

Em nome do lucro imediato,
Os rios, os mares e os lagos
Estão cada dia mais imundos
E, pela falta de cuidado,
Acabarão pagando caro
Todos os povos do mundo!


Alive Water

Paccelli M. Zahler

Water, precious jewel,
Blue colour of the Planet,
Majestic beverage!
Water that envolve us,
Give us Life and Death,
Powerful Force!
Goddess-Mother despised
Day-by-day polluted
As it was eternal.
Motive force
Of Life on Earth,
But, for how long time?

In the name of immediate profit
The rivers, the seas and the lakes
Are everyday polluted
And without care
Every people of the world
Will pay a high price!

ADMIRÁVEL MUNDO FAMINTO

ADMIRÁVEL MUNDO FAMINTO

Paccelli M. Zahler

Não é necessário ser Nostradamus
Pra ver o Futuro!
Satélites no espaço, biotecnologia,
Modificações genéticas, economia global
Movendo riquezas entre as nações mais ricas.

Não é necessário ser Cego
Pra não ver o Presente!
Secas, inundações, doenças, privações,
Escravidão, revoluções, anarquia global
Movendo pobreza entre as nações mais pobres.

O que vamos esperar da Índia, Paquistão,
Timor Leste, Serra Leoa, Libéria,
Kosovo, Bangladesh e Somália
Com tantas desigualdades sociais
Promovendo opressão e fanatismo,
Violência e radicalismo
E perda dos valores morais?

Algo precisa ser feito
Pra mudar essa situação
E recobrar o respeito e a soberania
Dos países mais pobres.

Precisamos aprender a dividir nossas riquezas
Com Amor em nossos corações.
Assim, todos terão comida e saúde
E teremos um mundo em Paz.


BRAVE STARVING WORLD

Paccelli M. Zahler

It is not necessary to be Nostradamus
To see the Future!
Satellites in space, biotechnology,
Genetic modifications, global Economy
Moving wealthy among the richest Nations.

It is not necessary to be Blind
To do not see the Present!
Droughts, floods, illnesses, privations,
Slavery, revolutions, global Anarchy
Moving poverty among the poorest Nations.

What shall we expect from India, Pakistan,
East Timor, Sierra Leone, Liberia,
Kosovo, Bangladesh and Somalia
With so many social unequalities
Promoting oppression and fanaticism,
Violence and radicalism
And loses of moral values?

Something must be done to change this situation
And recover the respect and the soberany
Of the poorest countries.

We must learn to share our wealthy
With Love in our hearts.

So, everybody will have food and health
And we will have a world in Peace.

ADEUS À INFÂNCIA

ADEUS À INFÂNCIA

Paccelli M. Zahler

Entre recordações do passado
Ficaram algumas relíquias
Imagens da minha infância
Coisas da minha vida.

Ah, momentos passados,
Nos quais tudo era sonho!
Da realidade, só existia
O mundo da fantasia.

Era constante a espera,
Razão por que eu dizia:
- Dia novo, levanta,
Minha noite está vazia!

E o dia foi levantando,
Obedecendo à minha ordem.
Quando percebi, já era grande...
A brincadeira virara saudade!

ESTAFA

ESTAFA

Paccelli M. Zahler

Simplesmente cansei
Por razões infindas,
Preocupações tolas.

Meus olhos,
Deitados na cama,
Dormem sem descansar,
Estafados e doloridos.

O cérebro,
Bomba explodindo
Em pensamentos,
Rumina o passado.
Corpo paralisado,
Sem ação.

Alma perdida
Nalgum lugar do passado,
Tateando inutilmente
Na escuridão.

VENTAVA

VENTAVA

Paccelli M. Zahler

Ventava...
E naquela estrada
Cabelos esvoaçavam,
Folhas secas rolavam,
Arranhando o chão.

Arbusto vergavam
E a poeira subia,
O vento assoviava,
Saci-Pererê?

Ventava...

Um coração
Batia lentamente,
A cada passo, uma dor.
O vento arrepiava a alma,
Mexia com o corpo,
Como se tocasse um sino.

O toque era triste
Como no réquiem
E ecoava campo a fora
Dizendo:
- Estou com saudades!

REENCONTRO

REENCONTRO

Paccelli M. Zahler

Voltar a cantar,
Pássaro livre.
Voar, voar
No céu azul
Sob o sol brilhante.

Pousar contente
No galho da árvore.
Sentir o verde,
O cheiro do mato,
Longe do asfalto
E dos arranha-céus,
Num reencontro maravilhoso
E abençoado
Comigo mesmo.

SEM RUMO

SEM RUMO

Paccelli M. Zahler

Luz que me ilumina
Nesta tarde de maio
De seca e frio
Sol escaldante
Contrastes!

Caminho sem rumo
Na terra vermelha do cerrado.
A sede me ataca
E uma vontade de chegar
Não sei onde.

O azul do céu
Ainda belo e sem poluição...
Única coisa gratuita
Nesta sociedade capitalista,
Neste mundo cão!

Solidão!

CASTELO DE AREIA

CASTELO DE AREIA

Paccelli M. Zahler

A onda levou meu castelo
Que era de areia,
Estava na praia
E desmoronou.

Cercado de sonhos,
Guarnecido de esperança
E torres de ilusão
Que a realidade levou.

Que é do meu castelo?
(Antes fosse choupana!)
Não fosse a vaidade,
Eu não sofreria tanto!

Meu castelo de areia e sonho
Foi-se embora, não voltará!
O próximo, de pedra, areia e sonho,
Sofrerá avarias, mas ficará!

DÚVIDAS

DÚVIDAS

Paccelli M. Zahler

ESPINHOS
QUE ABALAM O ESPÍRITO,
DESESTRUTURAM A ALMA,
BALANÇAM O CORAÇÃO
EM HORA IMPRÓPRIA.

TERRÍVEL SITUAÇÃO
NO MOMENTO DA DECISÃO!


O BOM CORRUPTO

O BOM CORRUPTO

Paccelli M. Zahler

O BOM CORRUPTO
NUM GESTO ABRUPTO
APROPRIA-SE DA VERBA ALHEIA,
DO ERÁRIO PÚBLICO,
DA PENSÃO DAS VIÚVAS
E DOS APOSENTADOS,
MANTENDO-SE ELEGANTE,
UM VERDADEIRO DÂNDI,
COM O MESMO AR IMPOLUTO
DO HOMEM PROBO E RESPEITADO.

PROCURA

PROCURA

Paccelli M. Zahler

BUSCO A BELEZA,
A ESSÊNCIA
DE CADA MOMENTO.
A HARMONIA DA MÚSICA,
A POESIA DA PROSA,
O PERFUME DA ROSA
NAS MÃOS DA AMADA.

O LUAR DE PRATA
NO VESTIDO DA NOITE
E O VÔO VITORIOSO
DO PÁSSARO LIBERTO
E QUE, POR CERTO,
É MEU TAMBÉM!

PAUSA

PAUSA

Paccelli M. Zahler

HOJE, PAREI UM POUCO
POR UM BREVE INSTANTE
PARA PENSAR EM MIM,
DIVAGAR, CONVERSAR COMIGO,
OUVIR O RITMAR
DO MEU CORAÇÃO SOFRIDO,
ESQUECER O TORMENTO
DO ÔNIBUS LOTADO
DO CIGARRO ACESO
DO PACOTE DO GOVERNO
DO CRÉDITO CORTADO.
SÓ QUERIA A PAZ
DAS ÁGUAS DO REGATO
IMUNES AO TEMPO,
AO PRESENTE,
AO PASSADO...

MENDIGO

MENDIGO

Paccelli M. Zahler

ROUPAS EM FARRAPOS
MÃO ESTENDIDA
OLHAR TRISTONHO
PEDINDO COMIDA.
UM FILHO NO COLO
ALMA PERDIDA
DORMINDO NA SARJETA
PROVOCANDO REAÇÕES
DE NOJO,
PENA,
RAIVA!
SEM DIREITO
À ASSISTÊNCIA,
OPORTUNIDADES,
TRABALHO
E SALÁRIO DECENTES.
SUSPEITO NÚMERO UM
DE QUALQUER DISTRITO POLICIAL.
AINDA CONSEGUE COMOVER-SE
E DIVIDIR OS RESTOS PODRES DA LIXEIRA
COM OS CÃES, OS GATOS,
COM OS RATOS DO SEU MOQUIÇO.
CAMINHANDO SEM RUMO,
SEM CONTAR A PASSAGEM DOS DIAS,
MANTÉM-SE VIVO
POR TEIMOSIA!

FORÇAS

FORÇAS

Paccelli M. Zahler

SÃO NECESSÁRIAS FORÇAS
MUSCULARES,
ESPIRITUAIS,
PARANORMAIS
PARA LUTAR
ESPERANÇAR
ESQUECER
CONTINUAR A VIVER.
DURA VIDA SUFOCANTE
INJUSTA,
CRUEL,
EGOÍSTA!

BRASIL NOVO

BRASIL NOVO

Paccelli M. Zahler

SOFRIMENTO,
DIAS DESESPERADORES
DESESPERANÇADOS
DE UM BRASIL NOVO
AINDA VELHO.

TERRA EM TRANSE
PERDIDA
NA ESPERANÇA
DA SORTE GRANDE
NA LOTERIA.

FINANÇAS POR UM FIO
ALUGUEL CARO
RECESSÃO
NO PAÍS DO FUTURO
E DA INFLAÇÃO!

FOLHETIM

FOLHETIM

Paccelli M. Zahler

DILACERAR O PEITO
POR UM AMOR DESFEITO?
COM QUE DIREITO?
O QUE PASSOU, PASSOU,
E, FELIZMENTE, NÃO VOLTA MAIS!
ALGO SEMPRE FICA,
SEJA BOM OU RUIM,
E A VIDA CONTINUA
COMO AS PÁGINAS AMARELADAS
DE UM VELHO FOLHETIM!

MISTÉRIO

MISTÉRIO

Paccelli M. Zahler

INTERFACE TRANSCENDENTAL
ALÉM DA COMPREENSÃO
DO SIMPLES MORTAL.
LIGAÇÃO, CORDÃO UMBILICAL
COM OUTRA DIMENSÃO
ESPAÇO-TEMPORAL.
INTRIGANTE EXPERIÊNCIA ESPIRITUAL
MEXENDO COM OS SENTIDOS
DO ATEU INCRÉDULO E RACIONAL.

MARIA

MARIA

Paccelli M. Zahler

SONHA, MARIA, SONHA,
RISONHA,
BISONHA,
COM UMA VIDA MELHOR!

DURA É A VIDA, MARIA,
MAS O DIA-A-DIA
E A CARESTIA
TORNAM-NA PIOR!

SONHA COM A LOTERIA,
O JOGO DO BICHO
E COM TEU FEITIÇO
PRA TUDO MUDAR.

E QUE ESTE SONHO
SE TORNE UM DIA
REALIDADE, MARIA,
PRA TE SOSSEGAR!

CARMITA

CARMITA

Paccelli M. Zahler

TEU CORPO DE VIOLÃO
MEXENDO PRA LÁ E PRA CÁ
DESTACANDO-SE NA MULTIDÃO
IMPOSSIBILITANDO O DESVIO DO OLHAR.
TEUS LÁBIOS GROSSOS, CARNUDOS,
SEMPRE DISPOSTOS A BEIJAR,
E TUA PELE DE VELUDO
PEDINDO MÃOS PRA TOCAR.

ESSE BUMBUM ARREBITADO
REBOLANDO EM PLENO AR
NUM MOVIMENTO DESPUDORADO
DE FAZER O TRÂNSITO PARAR.

O TEU VESTIDO ENCARNADO
DESTACANDO AS CURVAS DO CORPO
ME DEIXANDO PERTURBADO
E EXCITADO A CONTRAGOSTO.

AI, CARMITA! AI, CARMITA!
É PENOSO QUE SE ADMITA
SEM FERIR A BOA CONDUTA,
MAS COMO É BOM E EXCITA
ESSA TUA FORMA ABSOLUTA!

OLHOS

OLHOS

Paccelli M. Zahler

VIDA BELA
PRA QUEM OLHA DETALHES
IMPERCEPTÍVEIS
À CEGUEIRA DO ESPÍRITO.

OLHOS MUNDANOS E LIMITADOS
COITADOS
VÊEM APENAS
IMAGENS NO ESPELHO.


LAMBIDINHO

LAMBIDINHO

(AO EDISON ADEMIR)

Paccelli M. Zahler

LAMBIDINHO, LAMBIDINHO,
DIGA-ME COM "SIM" OU "NÃO"
SE AINDA DORMES NO BERCINHO
E TEMES BICHO-PAPÃO.
SE FOR "SIM",
OH, COITADINHO!
SE FOR "NÃO",
QUE VALENTÃO!

TARDE NO CIRCO

TARDE NO CIRCO

Paccelli M. Zahler

UMA TURMA EM PROVA
É UM VERDADEIRO CIRCO.
EXISTEM MÁGICOS, MALABARISTAS,
OLHOS DE ÁGUIA E ATÉ VENTRÍLOQUOS
E DENTRO DESSE CIRCO
SÓ VI FERAS E NENHUM DOMADOR.
AH, DEUS, POR QUE ME FIZESTES PROFESSOR?

O SONHO DE ÍCARO

O SONHO DE ÍCARO

Paccelli M. Zahler

ERA UMA VEZ...


HOUVE UM TEMPO
EM QUE OS HOMENS SONHAVAM
CONVERSAVAM
APRECIAVAM
O MILAGRE DA VIDA.

HOUVE UM TEMPO
EM QUE OS HOMENS QUERIAM VOAR
E VOARAM!

ORBITARAM A TERRA,
FORAM À LUA,
SONDARAM MARTE,
TODAVIA, CONTINUAVAM INFELIZES.


E PENSAR QUE TUDO COMEÇOU
COM ÍCARO...

ÍCARO I

A IDÉIA

HÁ MUITO OLHO PRO CÉU
BUSCANDO ALGO QUE NÃO SEI ONDE ESTÁ
O CÉU É TÃO GRANDE...
DESEJO VOAR!

SENTADO IMAGINO UM MODO
DE SAIR DESTE CHÃO,
ALCANÇAR O PICO MAIS ALTO
ENVOLVER-ME NAS NUVENS.

OS PÁSSAROS POSSUEM ASAS
POR QUE NÃO POSSO TÊ-LAS TAMBÉM?
QUERO VOAR!
EXISTE ALGO NO CÉU
QUE PRECISO ENCONTRAR.


ÍCARO II

O VÔO

CONSTRUÍ MINHAS ASAS!
O DIA ESTÁ MUITO BONITO,
APESAR DO VENTO FORTE.
É HORA DE SALTAR
PARA A VIDA OU PARA A MORTE.

DO ALTO, PAISAGEM MARAVILHOSA,
MONTANHAS, ANIMAIS,
ÁRVORES, ESTRADAS, RIOS,
CIDADE, PESSOAS, MAR,
TUDO TÃO PEQUENINO!

NO VÔO SUAVE,
PARECE QUE TUDO PAROU.
SONS PERDEM-SE NO ESPAÇO,
TRANQÜILIDADE, SILÊNCIO...
MINHA PAZ ME ENCONTROU!


ÍCARO III


A QUEDA


A TERRA CADA VEZ MENOR...
PROCURO EM VÃO UM DESTINO!
O SOL É MARAVILHOSO,
ME PROVOCA, ME ATRAI,
QUERO ATINGIR O SOL,
PRO INFERNO OS CONSELHOS DO MEU PAI!
NÃO DEVO VOAR TÃO ALTO?
POIS SIM!

DEUS, A CERA ESTÁ DERRETENDO,
MINHAS ASAS VÃO DESMANCHAR!
VOLTO À TERRA DE ONDE SAÍ,
DESTA VEZ, PRA FICAR!
PERDEREI MINHA VIDA,
AO CAIR NO MAR,
REALIZANDO MEU INSANO DESEJO DE VOAR!

MEU QUARTO

MEU QUARTO

Paccelli M. Zahler

NO SILÊNCIO DO MEU QUARTO
ENCONTRO A PAZ QUE NÃO TENHO
NO MEU DIA DE TRABALHO.
É MEU ABRIGO E ACONCHEGO,
ONDE GUARDO MEUS SEGREDOS
A SETE CHAVES NUM BAÚ.
ELE ME ENTENDE, ME ESCUTA,
É UM FIEL CONFIDENTE.
DE SUA PEQUENA JANELA,
MOSTRA-ME O MUNDO.
AO AMANHECER, O SOL POR ELA
VEM VISITAR-ME COM SUA LUZ;
OS PÁSSAROS COM SEU CANTO;
AS FLORES COM SEU PERFUME;
A LUA COM SEU ENCANTO.
ENQUANTO O MUNDO GIRA
NO VAIVÉM DAS ESTAÇÕES,
ABRO EM SEGREDO MEU BAÚ
PRA CULTIVAR RECORDAÇÕES.
E SONHO, VIAJO, COMPARTO
NA PAZ QUE SÓ ENCONTRO
NO SILÊNCIO DO MEU QUARTO.

QUANDO A NOITE VEM

QUANDO A NOITE VEM

Paccelli M. Zahler

QUANDO A NOITE VEM,
TRAZ COM ELA O MEDO.
MISTÉRIOS A NOITE TEM,
GUARDADOS EM SEGREDO.

OS FANTASMAS PROTESTAM:
- É HORA DE TRABALHAR?
ASSOMBRAR AS CASAS?
AOS VIVOS MOLESTAR?

OS VAMPIROS RESSURGEM
BUSCANDO O SANGUE DE ALGUÉM
PRA SEDE E A FOME SACIAR,
QUANDO A NOITE VEM.

ANIMAIS NOCTÍVAGOS
PÕEM-SE A CANTAR
ACOMPANHANDO OS BOÊMIOS
NUMA SERENATA AO LUAR.

NA SOLIDÃO DESTE QUARTO,
A INSÔNIA ME DOMINA.
CAMINHO EM CÍRCULOS...
-TRISTE SINA!

CREPÚSCULO

CREPÚSCULO

Paccelli M. Zahler

A TARDE CAI, O DIA FINDA,
COM ELE UM POUCO DE NÓS,
UMA PARTE DA VIDA,
SIMPLES DESPEDIDA.

A ESPERANÇA RENOVADA,
A EXPERIÊNCIA ACUMULADA,
A LEMBRANÇA TARDIA,
A ANGÚSTIA DO NOVO DIA.

ANOITECEU

ANOITECEU

Paccelli M. Zahler

UM SILÊNCIO PROFUNDO
PERCORRE LEVEMENTE O AR
MOMENTO SUBLIME
HORA DE SONHAR!

O MUNDO LÁ FORA
DORME, FINALMENTE, EM PAZ
E DA JANELA, UMA LUZ
VEJO, AO LONGE, CINTILAR

UM BRILHO DE ESPERANÇA
QUE OS MEUS OLHOS
VÊEM TRASPASSAR

TRAZENDO-ME A CONFIANÇA
DE VITÓRIA NA LUTA
QUE VAI RECOMEÇAR.

CHIMARRÃO

CHIMARRÃO

Paccelli M. Zahler

FORÇA DOS PAGOS!
CALOR QUE AQUECE
AS ENTRANHAS DO GAÚCHO
LONGE DA TERRA.


QUESTIONAMENTO

QUESTIONAMENTO

Paccelli M. Zahler

QUAL O MISTÉRIO DA VIDA
SE É QUE EXISTE MISTÉRIO
OU SERÁ NOSSO CÉREBRO
QUE É INCAPAZ DE ENXERGAR?

CANTO TRISTE

CANTO TRISTE

Paccelli M. Zahler

LANÇO MEU CANTO
TAL QUAL UM DARDO
QUE CORTA O ESPAÇO
BUSCANDO UM ALVO
LONGE DEMAIS.

CHORO CALADO,
TRISTE E CANSADO,
DESCONSOLADO COM A VIDA DURA,
QUE SE AFIGURA
ANTE MEUS OLHOS
RIO DE AMARGURA INTRANSPONÍVEL!

UM DIA-A-DIA INCOMPREENSÍVEL
QUE ABREVIA O TEMPO DE VIDA
SEM DÓ, SEM PERDÃO,
E TORNA MEU CANTO
SOMBRIO E CINZA,
UMA NOITE FRIA
DE RAIO E TROVÃO!

quinta-feira, junho 10, 2004

GREVE

GREVE

Paccelli M. Zahler

PROMESSAS NÃO CUMPRIDAS
INSATISFAÇÃO GERAL
BAIXOS SALÁRIOS
BRAÇOS CRUZADOS

PASSEATAS, PIQUETES
PALAVRAS DE ORDEM
REPRESSÃO POLICIAL
VIDROS QUEBRADOS

PRISÕES ARBITRÁRIAS
(JOGADAS DE MESTRE)
ACORDOS ROMPIDOS
BRAÇOS CRUZADOS

PASSEATAS, PIQUETES
PALAVRAS DE ORDEM:
"GOVERNO SAFADO!
GOVERNO SAFADO!"

RETORNO

RETORNO

Paccelli M. Zahler

O POETA VOLTA A SER PÁSSARO!
VOLTA PRO NINHO,
PRAS SUAS ORIGENS,
PRO SEU LUGAR.
É HORA DE RECOMEÇAR!

QUER REVIVER AS FANTASIAS
QUE O FIZERAM VOAR.
AMADURECIDO, DIZ ADEUS AO PASSADO
-ESTRADA SEM RETORNO!
E DECIDE SEGUIR ADIANTE
PRA QUE A DISTÂNCIA E O TEMPO
APAGUEM DA LEMBRANÇA
SONHOS OUTRORA IMPORTANTES.

ROSTO TRISTE

ROSTO TRISTE

Paccelli M. Zahler

QUANDO VEJO NOS TEUS OLHOS,
IMAGEM LÚGUBRE E FRIA,
AFLORAM-ME PENSAMENTOS
QUE DESFAZEM MINHA ALEGRIA.

PERCEBO EM TUA FACE
MIL DESGOSTOS E TORMENTOS
QUE FICAM DENTRO DE TI
FEITO PÁSSAROS AGOURENTOS.

EMBORA COM UM SORRISO
TUA TRISTEZA ESCONDAS,
QUAL VERME SUBMISSO,

TEUS OLHOS CONTAM VERDADES
CLARAS, TRANSPARENTES,
PLENAS DE SINCERIDADE.

REALIDADE

REALIDADE

Paccelli M. Zahler

VIDA DE HORAS AMARGAS,
DOÇURA E FELICIDADE,
UNIÃO E SEPARAÇÃO,
AMIZADE E INIMIZADE.

VIDA AOS POUCOS
SE EXTINGUINDO,
LEVANDO COISAS, ANIMAIS,
TAMBÉM A GENTE.

TUDO INDO EMBORA,
SEM DEIXAR RASTRO.
TUDO CAMINHANDO
PRA UM LUGAR LONGÍNQUO,
PRA NÃO SE SABE ONDE,
PERSEGUINDO FELICIDADE,
COLECIONANDO SAUDADE!

TÉDIO

TÉDIO

Paccelli M. Zahler

HORA MORTA
QUE NUNCA PASSA
QUE ENTEDIA
CAUSANDO ANSIEDADE.

NÃO ACABA O DIA
A BARRIGA VAZIA
O BARULHO INCOMODA
O RELÓGIO NÃO ANDA.

GARGANTA QUE APERTA
O SOL NÃO SE PÕE
O CALOR QUE SUFOCA
O RELÓGIO NÃO ANDA.

TERRA

TERRA

Paccelli M. Zahler

Noite estrelada, manto negro cobrindo a Terra
Planeta esquecido, perdido no espaço,
Viajando pelos séculos silenciosamente
Em sua dança elíptica ao redor do Sol,
Saudada por constelações e galáxias
Que enviam abraços em anos-luz!

Terra, cujos filhos a esqueceram,
Esgotaram seus recursos,
Mataram suas florestas e rios,
Como verdadeiros parasitas
Que minam, corroem, amam e odeiam,
protegem e destróem
E querem recriá-la como se isso fosse possível.

Destróem-se a si mesmos
Em guerras, conflitos, atentados
E planejam sua desintegração
Com mísseis, bombas e explosivos atômicos.

Terra, quando irás abrir os olhos dos homens
Pra fazê-los entender o que fazem contigo?
Quando pensarão em ti e te protegerão,
Deixando de lado o dinheiro, a inveja
E as ambições pessoais?
Quando deixarão de te explorar
Pra conviver harmoniosamente contigo?

Terra, olha por nós!
Terra, ora por nós!

A FLOR

A FLOR

Paccelli M. Zahler

Uma flor balançava
Ao sabor do vento,
Sorria e cantava,
Vivia sem medo.

À noite, recolhia-se.
Quando o Sol voltava,
Ao raiar do dia,
Sorrindo o saudava.

Porém, certo dia,
A lâmina ambiciosa
Ceifou-lhe o corpo
Pra jogá-lo fora.

A flor pequenina,
Sem reação,
Esboçou um sorriso,
Expirou no chão.

Flor pequenina,
Flor do meu tempo,
És muito grande,
Eu tão pequeno.

Nosso destino é o mesmo,
Mas custa-me entender.
Flor pequenina,
Não sei viver!

VIAGEM

VIAGEM

Paccelli M. Zahler

Vim pra este mundo
Apressado, reencarnado,
Sei lá!
Tinha que vir!
Dura trajetória!
Choro, baba, frio, mamadeira,
Beabá, tombos, brincadeiras,...
Infância!
Brigas, sonhos, planos, frio,
Amigos, vestibular, vazio,...
Adolescência!
Empregos, baixos salários, casamento,
Cabelos grisalhos, novos rebentos,...
"A partir de hoje tudo será diferente!"
Esperança!
Quero a liberdade dos pássaros
Enquanto tenho asas pra voar,
Enquanto não é tempo de caça
Enquanto posso sonhar.
Percorrendo caminhos vegetados,
Buscando a energia natural,
Vejo morros, flores, cascatas,


Numa viagem transcendental.
E ver meu corpo lá embaixo,
Relaxado, inerte,
Sem que nada o desperte.
Então, viajo, viajo, viajo,
Sentindo-me um pássaro em pleno vôo
Por variados mundos viajo,
Buscando quem realmente sou!



OS OLHOS DE MARUSIA

OS OLHOS DE MARUSIA

(à Marusia Stefanova)

Paccelli M. Zahler

Quando olhei em seus olhos
Vi Marusia sonhadora
Estudando poesia
Em sua longínqua Bulgária.
Vi também seu sorriso,
Seus ideais e sensibilidade
E a vontade de construir
Uma justa sociedade.

Creio que foi assim
Que Marusia e seus sonhos
Chegaram até aqui.

E passados os anos
Tive a Felicidade
De olhar seus doces olhos
Que me fizeram recordar
Que é necessário sonhar!

(Havana, 26/06/95)

SONETO À TROVA

SONETO À TROVA

Paccelli M. Zahler

Muitas lições de Vida em quatro versos,
Sabedoria singular resumida
Que o trovador insone lapida
Dia após dia, concentrado, imerso.

A dificuldade não o intimida
Pois necessita superar o adverso,
Em poucas rimas tirar do Universo
Pérolas lindas ou ricas jazidas.

O poeta é garimpeiro solitário
De ritmos, sons, balanços e palavras
Encadeadas como contas do rosário.

Inflando o coração de sentimento,
O trovador exibe sua lavra
De abençoadas gotas de alento!

POEMA DE AMOR DO SÉCULO XXI

POEMA DE AMOR DO SÉCULO XXI

Paccelli M. Zahler

Qual satélite geo-estacionário,
Monitoro teus elegantes passos,
Observo teus sensuais movimentos,
Registro e analiso teus dados.

Elaboro teorias e fórmulas,
Simulo modelos, mando sinais
Que me permitam, quem sabe um dia,
Fazer dos avistamentos casuais
Contatos de terceiro grau.

Ah, isto seria bem mais fácil
Na época dos meus ancestrais!
Encontros à luz pálida da Lua,
Passeios de mãos dadas pela rua...

Coisas singelas como um poema,
A beleza das flores de um jardim,
Para atrair tua atenção,
Para te aproximares de mim.

METAMORFOSE

METAMORFOSE

(à Manuela)

Paccelli M. Zahler


Cabelinho curto,
Jeito desconfiado,
Pés encardidos,
Olhar atravessado.
Assim era Manuela
Que eu virava
De cabeça pra baixo,
Pegava no colo,
Mordia a bochecha e o braço.

O tempo passou...
O cabelo ficou encaracolado,
Os pés, calçados,
O olhar continuou atravessado,
E o jeito, ainda desconfiado.
Não viro mais
De cabeça pra baixo,
Não pego no colo,
Não mordo a bochecha e o braço.
O que houve?
O que aconteceu?
Assim não vale,
A Manuela cresceu!

RECICLAR PARA SALVAR O MUNDO

RECICLAR PARA SALVAR O MUNDO

Paccelli M. Zahler

Do amor de Gaia, nasceu Urano,
Viveram juntos, tiveram filhos,
Os quais Urano rejeitava
De maneira contumaz.
Ferida por tal atitude,
Vingou-se Gaia
Num momento de raiva.

O tempo passou, surgiram os homens
Que se refestelaram no paraíso.
Desenvolveram a Ciência,
Esquadrinharam Gaia
Com sua tecnologia,
Sem o devido respeito
Aos ciclos biogeoquímicos.

Inventaram o lucro,
Sentiram-se poderosos,
Cegados pela ambição desmedida.
Assim, retrocedeu a Sabedoria
No trato dos Ecossistemas
Deixando Gaia empachada
Com plástico, radiatividade e lixo.

Porém, sua paciência tem limites
Como, na pele, sentiu Urano.
Na certa, planeja uma vingança
Em seu silêncio meditabundo.

Assim, se o homem quiser sobreviver
E, dos filhos, garantir o futuro,
Há que reciclar suas idéias,
Seu modo de vida e detritos
Para salvar-se e salvar o mundo.

AMIGO DE VERDADE

AMIGO DE VERDADE

Paccelli M. Zahler


ESTÁ SEMPRE DO TEU LADO
NOS MAIS DIFÍCEIS MOMENTOS
DIVIDE O FARDO PESADO
ALIVIA TEUS SOFRIMENTOS

ALEGRIAS TAMBÉM DIVIDE
AO LONGO DA CAMINHADA
QUANDO PARTE, DEIXA SAUDADE
AO RUMAR POR OUTRA ESTRADA

SONHO

SONHO

Paccelli M. Zahler

Nas asas duma andorinha,
Lá vai minha imaginação.
Queria ser como ela,
Voar livre na amplidão.

O vento seria a estrada
Que me levaria a todo lugar.
Voando não teria ninho,
O céu seria meu lar.

O sol mais perto de mim,
A lua a me acompanhar,
Meu vôo, o mais elevado,
Minha liberdade, o meu cantar.

Vale a pena sonhar
Em meio a tudo que sinto?
Liberdade é olhar as estrelas?
Liberdade é andar sem destino?

TEUS OLHOS

TEUS OLHOS

Paccelli M. Zahler

Nos teus olhos tão pequenos
Como duas gotas de mar
Me ponho a navegar
Num barquinho de papel,
Enfrentando tempestades,
Maremotos, ondas suaves
Que me transportam
Pra outra dimensão.

Teus olhos falam verdades
Que teus lábios
Não conseguem dizer.
Neles encontro paz!
E me transformam em pluma
Carregada por um redemoinho
Em direção à lua.

Olhando nos teus olhos
Me sinto feliz!
Neles gostaria de ancorar
Meu barquinho de papel
E neles viver a paz
Só encontrada
No alto dos céus.

PORTAS FECHADAS

PORTAS FECHADAS

Paccelli M. Zahler

Portas fechadas
Na tua cara
Com desdém!

Nenhuma chance,
Ninguém te ouve,
Te querem por baixo!

Amigos?
Não há!
Inimigos?
Pra quê?

Não há entrada,
Tampouco saída,
Nem quem acuda
A alma ferida,
Nem quem se despeça
Na tua partida
Pra outra vida!

DESCANSO DO CISNE

DESCANSO DO CISNE

Paccelli M. Zahler

O vôo foi importante,
As asas bateram
O dia inteiro.

A boca falou muitas coisas,
O corpo movimentou-se
Em todas as direções.

A tarde chegou
E com ela os primeiros sinais.

A tarefa continuou
Até o anoitecer,
Momento em que a alma
Pediu um pouco de paz.

O corpo relaxou,
Os olhos fecharam-se lentamente.
Abençoado momento,
Momento de descanso!



SOLIDÃO

SOLIDÃO

Paccelli M. Zahler

Solidão - mundo à parte,
Às vezes, um pouco ambíguo,
Pois não há dia certo
Pra tristeza ou felicidade.

É um mundo diferente
Da sociedade em geral.
Vivendo-se dentro dela,
Vive-se sozinho igual.

Muitas vezes, mar de rosas,
Outras tantas, vendaval,
Que leva tudo por diante,
Razão, vida, ideal.

Lá se vai a esperança,
Consciência, sonhos
Perdidos nas trevas
Em meio à luz.

Depois, brisa leve
Soprando suavemente
Pra que a vontade de viver
Retorne novamente.

SONO

SONO

Paccelli M. Zahler

Pálpebras pesadas,
Sono chegando,
Bocejos em profusão,
Olhos marejando.

Cabeça rodando,
Pensamentos inconstantes
Fugindo a todo instante.

Cair na cama quentinha,
Com pijamas de bolinhas,
Vontade imensa de dormir.

Olhos fechando
Contra a vontade.
Olhos cansados,
Fechando, fechand.,
Fechan..., fe...


MANHÃS

MANHÃS

Paccelli M. Zahler

Esta manhã
Teve o mesmo perfume
Daquelas em que ansiava
Pra te encontrar.

Ver-te de longe,
Teus passinhos curtos
Era uma coisa linda
De se admirar.

Que posso falar
Desses olhos pequenos
Que irradiavam o brilho
Da luz solar
E que, ao olhar pra eles,
Me transportava junto
Pra outro lugar?

Tuas mãos, tão pequeninas,
Me transformavam ao me tocar.
Sentia coisas tão diferentes,
Incapazes até de se imaginar.

Um sentimento tão forte,
Como o pecado da maçã,
Renovado a cada dia
No perfume das manhãs.

BUSCA

BUSCA

Paccelli M. Zahler

Como um astronauta,
Te busquei no espaço.
Te busquei na lua,
Só encontrei crateras
E um enorme deserto.

Perguntei ao sol
Onde andarias.
Ele nada respondeu.

Olhei pra via-láctea,
Bilhões de estrelas,
E fiquei chocado.

Senti medo
Da minha pequenez.

Onde andarias,
Me perguntava sempre.
Ficava aflito,
Sem saber por que.

Parei um dia
E cansado, adormeci.
Ao acordar, olhei pra Vida
E dessa busca inútil,
Desisti!

ENIGMA

ENIGMA

Paccelli M. Zahler

Olhe-me agora,
Que você vê?
Nada?
Sou invisível a você?

Toque-me agora,
Você sente o quê?
Não vai responder
Com medo do quê?

Difícil analisar
Os acontecimentos
Que se desfizeram
Sem a gente perceber.

A vida, como um rio lá fora
Levando pra não sei onde
Esperança, sonhos, amores...

Na correnteza,
Perdi você!

COTIDIANO

COTIDIANO

Paccelli M. Zahler

Vida a passar,
Pedra no caminho,
Mesa de bar,
Cerveja gelada,
Mágoa afogada.

Carro na estrada,
Vento no rosto,
Vôo do pássaro
Sob o sol de agosto,
O ninho tão longe...
E o dia se esconde.

Uma fantasia
Faz mal a ninguém,
Churrasco de gato,
Na hora da fome,
Vai muito bem.

Dia que passa
- Retalho de Vida.
Garoto na praça
Olhando pra cima,
Pro avião distante...

E o sol se esconde...

Noite tão negra,
Com cristais cintilantes,
Pequenos brilhantes
No negro vestido.
Fumaça, ruído
Na volta pra casa.

Gritos de dor
Perdidos no ar...
Passado feliz
Que ficou pra trás.


PALAVRAS

PALAVRAS

Palavras trocadas
Como figurinhas
No "jogo do bafo".
Do seu significado,
Nunca mais se falou.

Por quê?

Má interpretação
Ou desconfiança?
Foi-se a amizade
Ou a esperança?

Faltaram respostas...

Talvez, não mais
Sejam trocadas...

A distância e o tempo,
Como a chuva e o vento,
Carregam tudo,
Até mesmo as palavras.


O QUE SOU?

O QUE SOU?

Paccelli M. Zahler

Penso comigo mesmo,
Pra que vaidade,
Orgulho,
A gente

Caminhando sobre a terra,
Se tudo termina de repente,
É deitar e apodrecer
Embaixo dela?

Pra que a vida,
Fantasmas,
Mistérios?

Pra que cidades,
Pessoas,
Fome?

Almas perdidas,
Sem destino,
Desesperançadas!

Pra que a guerra,
O sonho,
A ilusão,
Se tudo termina
Num piscar de olhos?

E eu,
O que sou
Nessa loucura toda
A que chamam Vida?

UM MUNDO EM PAZ?

UM MUNDO EM PAZ?


Paccelli M. Zahler

Fecho os olhos para meditar um pouco
Em meio ao barulho dos carros.
A televisão do vizinho
Interrompe meu exercício
Com notícias sobre guerras na África,
Atentados no Oriente Médio,
Perseguições religiosas na Ásia,
Racismo na Europa,
Injustiça social nas Américas.

Um planeta em crise
Com desmatamentos generalizados,
Extinção de espécies silvestres,
Assaltos, estupros , chacinas,
Exércitos reprimindo protestos
Pelos direitos humanos.

Perco a concentração
E a Esperança
Em um mundo em Paz!

TALVEZ

TALVEZ

Paccelli M. Zahler

Talvez, as minhas escolhas
Não tenham sido as melhores.
Talvez, eu tenha feito tudo errado.
Talvez, um dia me arrependa!

Talvez, eu tenha vivido recluso
Dentro dos meus conceitos
Ortodoxos e provincianos.
Talvez, não tenha aproveitado a Vida!

Talvez, não tenha olhado pro céu
E contemplado as estrelas
E percebido a imensidão do Cosmos
E desejado voar...

Será que um dia saberei
Se agi certo ou errado?
Será que um dia
Deixarei de me julgar?

POR TUA CAUSA

POR TUA CAUSA

Paccelli M. Zahler

Por tua causa,
Renunciei aos meus sonhos,
Fechei meus olhos
E segui em frente.

Por tua causa,
Deixei meus amigos,
Sofri sozinho,
Chorei em silêncio.

Por tua causa
Escrevi uma carta,
Cortei meus pulsos
E me despedi do mundo!

TUA IMAGEM

TUA IMAGEM

(à Bagé)

Paccelli M. Zahler

Quando se abriram meus olhos
Por vez primeira na Vida
Foi tua a primeira imagem
Gravada em minhas retinas.

Quando meus pés inseguros
Os primeiros passos ensaiaram,
Foi em tuas ruas e avenidas
Que a caminhada começaram.

Aprendi o teu sotaque
E a ler em tuas escolas,
Absorvi tua cultura
Que me segue mundo a fora.

Os pássaros deixam seus ninhos
Buscando novos horizontes,
Também te deixei um dia
E parece que foi ontem.

Embora tenha a certeza
Que voltar é sonho distante,
Estarás sempre comigo
Aonde quer que eu ande.

E quando se fecharem meus olhos
No final da minha Vida,
Será tua a última imagem,
Minha cidade querida!

CATHERINE DENEUVE

CATHERINE DENEUVE

Paccelli M. Zahler

Catherine, a bela da tarde,
Da noite e das manhãs também.
Catherine, bela sempre,
Eternamente,
Catherine Deneuve.

NOITE DE POESIAS

NOITE DE POESIAS

Paccelli M. Zahler

Nenhuma noite é fria
Tampouco vazia
Se acalentada
Com poesia.
Uma noite de poesia!

ALL'ALBA

ALL'ALBA

Paccelli M. Zahler
(Traduzido para o italiano por Angelo Manitta)

Giungo a casa
all'alba.
Il tuo profumo
tra i miei indumenti,
il sapore del tuo bacio
nella mia bocca.

Meglio sarebbe
all'alba
il calore del tuo corpo
unito al mio,
il gusto della tua bocca
nella mia bocca.

AOS QUATRO ANOS DO "CÁ ESTAMOS NÓS"

AOS QUATRO ANOS DO "CÁ ESTAMOS NÓS"

Paccelli M. Zahler

CARAVELAS A DESBRAVAR
MARES NUNCA NAVEGADOS
LEVANDO A CULTURA DE PORTUGAL
À AMÉRICA, ÁFRICA E ÁSIA.
ERA PRECISO NAVEGAR.

ESSE FADO ANCESTRAL
RESISTIU AO TEMPO.

HOJE NAVEGA PORTUGAL
NAS ONDAS CIBERNÉTICAS
DA "WORLD WIDE WEB"
POR MEIO DE UM PORTAL.

INTEGRANDO PAÍSES LUSÓFONOS,
SEISCENTOS ANOS APÓS,
PORTUGAL DIZ COM ORGULHO:
- CÁ ESTAMOS NÓS!

BUSH

BUSH

Paccelli M. Zahler

Bush,
Por capricho pessoal,
Acabará nos levando
à 3a. Guerra Mundial.

BEMISIA

BEMISIA

(à Denize)

Praga que infesta,
Atordoa e inferniza
A minha vida
E que habita
Meu coração.

Quero erradicá-la,
Libertar-me desse carma
Que arrelia
Minha reencarnação,

Mas algo dentro de mim
Reluta em dizer "sim"
E acaba dizendo "não!"

NOITE ENLUARADA

NOITE ENLUARADA

Paccelli M. Zahler

Praia, mar,
Areia, luar,
Maresia...
Bruma da noite
Acendendo paixões.

Corpos bronzeados,
Olhos nos olhos,
Lábios unidos
Na batida forte
Dos corações.

NOITE DE VERÃO

NOITE DE VERÃO

Paccelli M. Zahler

Caminhávamos na praia,
O mar beijava nossos pés,
A esperança acompanhava
O vaivém das marés.

Tudo era paz sob a lua,
Noite cálida de verão,
Sonhava contigo, nua...
Meu corpo em ebulição.

Teu olhar vago prenunciava
Que algo irias me dizer,
Temi que tuas palavras
Sufocassem meu bem-querer.

Assim foi, estava escrito,
E foste embora sem titubear.
Vaguei sem rumo pela areia
Até o novo dia chegar.

quarta-feira, junho 09, 2004

REFLEXÕES

REFLEXÕES

Paccelli M. Zahler

Quem não sabe viver
Não pode reclamar
A Vida é uma batalha,
Vivemos pra lutar.

O que vem depois,
Ninguém sabe.
Passamos pela Vida
E deixamos Saudade.

Viver é lutar,
Correndo contra o tempo.
E passamos depressa
Como o vento.

MIRAGEM

MIRAGEM

Paccelli M. Zahler

Uma carta perdida
No labirinto
Da espera
Não chegou
Pra dizer adeus.

Teus olhos,
Teu sorriso
E tua voz
Desintegraram-se no espaço.

Foste uma miragem
Ante meus olhos sequiosos
Por um oásis.

EFEMÉRIDE

EFEMÉRIDE

Paccelli M. Zahler

O tempo...
A saudade que chega.
O tempo é corrosivo.
Não vejo teu sorriso,
Não ouço tua voz.

Foste como o vento.
Passaste por mim,
Pela minha vida,
Deixaste tua imagem.

E hoje,
Perto ou longe, talvez
Não penses,
Dentro de mim
O tempo não passou,
Apesar dos anos.

Triste sina
Reculutar lembranças
De momentos passados,
De sonhos terminados,
De amores calcinados.

CAMINHADA

CAMINHADA

Paccelli M. Zahler

Tanto sonho sonhado,
Estraçalhado e desfeito,
Deixando nosso peito
Bastante amargurado.

Sonho não realizado,
Há pouco latente
Dentro da gente,
Morto e enterrado.

Recomeçar outra vez?
Uma nova caminhada?
Dúvidas atrozes
Ao longo da estrada.

terça-feira, junho 08, 2004

A GATA DA DONA TETÊ

A GATA DA DONA TETÊ

(ao Aramis)

Era uma vez uma gata
Muito mimada,
Muito levada e
Muito teimosa..
Fugia sempre de casa,
Ninguém sabia o porquê.
De uma coisa todos sabiam:
"Era a gata da Dona Tetê!"
Passaram-se dias, meses,
E logo veio a razão.
A gata teve gatinhos
De um charmoso gatão.
A gata se apaixonara
Tão loucamente pelo gatão
Que tratou de ter mais gatinhos
Pra acompanhar os de então.
Foi uma gataria danada,
Houve até reclamação.
Gatos na sala, na cozinha,
No banheiro, pelo chão.
Gatos em cima da casa,
Gatos, gatos e mais gatos,
Gatos por todo o quarteirão.

À noite, ninguém dormia
Com aquela gataria
Miando até o amanhecer,
Numa verdadeira sinfonia
De fazer inveja
À Beethoven, Bach e Wagner.
Chegou, porém, o dia
Em que nenhum vizinho agüentou
E, de espingarda em punho,
Matar a gataria ameaçou.
Dona Tetê pediu calma
E muita compreensão
Pois a dona dos gatinhos
Era sua filhinha do coração.
A desculpa foi aceita
Mas o problema continuou.
Como parar uma gatinha
Que povoar o mundo pretendia
Em nome de um grande amor?
Não adiantaram promessas
Pra São Cosme e Damião,
Nem aquelas oferendas
Pro Preto Velho João,
Nem mesmo anticoncepcionais
Venceram tão grande paixão.
Só havia uma saída
- a esterilização!
Mas na sala de cirurgia,
Aquela gatinha querida,
Não resistiu à operação.
Dona Tetê ficou sentida
E os vizinhos felizes da vida.
Era o fim da gatinha mimada,
Era o fim da levada gatinha,
Que tinha sonhado um dia
Povoar o mundo sozinha
Às custas do charmoso gatão.
A casa ficou vazia
E os filhos da gatinha
Ficaram soltos ao léu.
Hoje, a gatinha descansa
Numa casinha no Céu.


O GATINHO

O GATINHO

Paccelli M. Zahler

Vivia triste e sozinho
Até Deus colocar um gatinho
No seu caminho.

O QUADRO

O QUADRO

Paccelli M. Zahler

Já havia passado alguns invernos apesar de sua pouca idade. Era o vento frio despenteando o cabelo, a geada cobrindo as coxilhas, a chuva fina estendendo-se por dias, semanas, meses, até a chegada da primavera.
Á noite, era quase impossível sair de casa. O frio era mais intenso ainda, com temperaturas de até cinco graus Celsius negativos.
A rotina era sempre a mesma. Chegar da escola, brincar um pouco, um banho bem quente, jantar, um pouco de televisão, uma botija de água quente embaixo dos cobertores para aquecer a cama e os pés. Em algumas ocasiões, queimar um pouco de álcool em uma espiriteira para aquecer o quarto. E antes de deitar, um chá de limão com mel para prevenir a gripe.
Essa era a sua visão de um inverno rigoroso, daqueles de doer os ossos, até o dia em que viu o quadro com neve que o fizera sonhar pelos anos seguintes de sua existência.
A imagem era completamente exótica, composta por uma sala e uma janela através da qual se observava um pinheiro e uma rua cobertas de neve.
A sala era impecável. Possuía uma poltrona, um sofá, uma estante com livros, uma vitrola e uma mesa no centro.
No chão, um tapete redondo, de cores variadas, bastante espesso ao lado de uma lareira com o fogo crepitando.
Ficava se perguntando a quem pertenceria aquela sala tão bem arrumada, com tudo no seu devido lugar, sem um grãozinho sequer de poeira. Ah, se pudesse entrar naquela sala, deitar naquele sofá, olhar a neve pela janela. Mas, em que cidade, em que país?
A única coisa que sabia é que era inverno. Um inverno diferente, sem geada, porém com muita neve.
E o que seria a neve? Será que era igual ao gelo do congelador da geladeira? Sua imaginação voava a cada nova pergunta.
Interessante, ponderava, o gelo no congelador era transparente ao passo que a neve que cobria o pinheiro era branca. Assim ela aparecia no cinema, nas revistas em quadrinhos, branca, suave, macia. Não podia ser como o gelo do congelador, duro a ponto de arranhar a palma das mãos.
Despertou do seu devaneio quando a professora avisou que faltavam cinco minutos para terminar a prova de redação.
Na volta para casa, seu pensamento não conseguia se desviar daquele quadro. A neve! Afinal de contas, como seria a neve?
Lembrou-se de um artigo no exemplar de maio da revista Seleções do Reader's Digest que a neve era composta de flocos, muitos deles hexagonais, com uma série de minúsculos desenhos que podiam ser observados ao microscópio e até mesmo fotografados.
Anos, muitos anos depois, teve a sua curiosidade de criança satisfeita.
O quadro, todavia, nunca saiu de sua cabeça e foi para sempre o seu ponto de contato com a infância que ficou para trás.


(Publicado na Coletânea PÉRGULA LITERÁRIA 4, Ed. Valença, RJ, p. 85-86, 1999)

DÚVIDAS

DÚVIDAS


Paccelli M. Zahler

Dispo-me de vaidades, orgulhos tolos, inveja e esperança, e penetro nas brumas do tempo, no subconsciente, no fundo da alma.
Afasto-me do mundo, dos amigos, do trabalho e vou em direção às montanhas em busca de respostas.
Quero entender o que se passa comigo! É claro que não almejo a iluminação como Sidarta Gautama, apenas alguns sinais que me permitam caminhar seguro até o final dos meus dias.
Há muito tempo sonhei, esperei e consegui o que queria. Percebi então que meu objetivo não tinha mais o mesmo sabor. Enquanto sonhava, enquanto lutava, sentia um sabor especial, exclusivo, um tempero feito somente para mim. Ao atingí-lo, pareceu-me insosso, sem graça, e eu não estava feliz. Minha felicidade estava na luta, no meio do caminho, não no final!
Por quê? Foi a pergunta que me torturou durante todos esses anos. Por quê? E a resposta nunca chegou aos meus ouvidos.
Em vão, refugiei-me em religiões, em orações, em sociedades secretas. Li muitos livros de Magia, de Alquimia, de Filosofia, e nada! Procurei acumular todo o conhecimento disponível. Não encontrei a resposta!
A leitura de muitos livros, a busca insana em bibliotecas, não me tornou sábio. Deu-me conhecimento de muitas coisas. Coisas que com o passar do tempo fui esquecendo. Esquecendo porque a memória foi apresentando falhas.
Depois de muitos anos, percebi que não conhecia mais o meu rosto. Aproximei-me do espelho cheio de expectativa e percebi rugas em profusão, cabelos brancos, olhos tristes e cansados. Eu ficara velho! Eu estava velho e não encontrara respostas!
Tirei a roupa com certa dificuldade. Meu corpo estava flácido, minhas mãos um pouco trêmulas, minha coluna vertebral estava arqueada, minhas pernas estavam finas e meus músculos estavam flácidos e atrofiados. Eu esquecera que tinha um corpo, tal a minha sede de conhecimento. Minha vida se resumira em carregar livros para todo o canto e esquecera de cuidar do meu corpo. Não obtivera sabedoria e a minha saúde estava por um fio. Valera a pena?
Olhei em torno, meus livros tinha envelhecido também. Estavam empoeirados e desatualizados.
Dirigindo-me à escrivaninha, ainda tive tempo de matar uma lepisma que insistia em roer as páginas amareladas de um manuscrito.
Um raio de sol conduziu-me até a janela. Observando atentamente a paisagem, uma pergunta aflorou em meu cérebro, talvez, a mais cruel de todas as minhas dúvidas: "Teria sabido viver?"

COTIDIANO BRASÍLIA

COTIDIANO BRASÍLIA

Paccelli M. Zahler

Não dá para descrever a sensação de estar chegando em Brasília pela primeira vez. Meus olhos interioranos pareciam estar a ponto de saltar das órbitas de tanta vontade de ver e sentir tudo de uma vez só. Porém, Brasília é uma cidade diferente. Para conhecê-la, só vivendo nela.
Fiquei me sentindo minúsculo ante a largura das avenidas e a imponência do prédio do Congresso Nacional. Que dizer, então, do Palácio do Planalto, da Igreja Dom Bosco e da Catedral Metropolitana? Era como entrar em um cartão postal!
E lá se foram dezoito anos! Período no qual acredito já ter devassado todos os segredos da capital do meu país.
Preso às tradições do meu Estado natal, o Rio Grande do Sul, jamais me imaginei entrando em contato com "hare krishnas", tarólogos, astrólogos, naturalistas, iridiologistas, radiestesistas, espíritas, médiuns, pais-de-santo, com pessoas que buscam a energia das pirâmides e dos cristais, sem falar naquelas que têm contatos imediatos com seres extraterrestres.
Em toda essa diversidade de religiões e crenças, evoluí espiritualmente. Muito mais do que esperava. Penetrei nos meandros do misticismo, busquei o equilíbrio mental e emocional através da prática do "tai-chi-chuan". Coisas desta cidade magnífica que exerce poderes mágicos sobre seus habitantes.
Brasília desperta curiosidade de quem a visita pela primeira vez; ódio em quem se estabelece, devido às grandes distâncias; e amor em quem permanece. É uma terra de contrastes. Em um mesmo local podem ser faladas todas as línguas e ouvir-se todos os sotaques. Ela mesma já começa a desenvolver o próprio sotaque.
A beleza das mansões convive com os barracos dos migrantes. As crianças abandonadas e famintas aguardam ansiosamente os pães que são jogados fora nas padarias por não terem sido vendidos. Alguns homens são vistos buscando comidas nos latões de lixo dos restaurantes luxuosos.
Tais coisas não maculam a imagem de Brasília. São reflexos de uma cidade que cresceu além de sua capacidade e da crise social e econômica pela qual o país vem passando. Brasília não tem culpa, assim como nenhuma outra terra tem culpa da ambição, dos desmandos e das mazelas dos homens.
O céu continua lindo, provavelmente, o mais belo do país tanto na estação chuvosa como na estação seca.
A vegetação do cerrado, com suas árvores tortuosas que assustam o visitante casual, ao mesmo tempo encanta os olhos com a beleza rústica de suas flores.
As águas cristalinas brotadas da rocha do Parque Nacional de Brasília, em meio às árvores do cerrado, as quais exalam um perfume característico, formam um verdadeiro templo ao ar livre. Lá, as pessoas vão buscar as energias para restabelecer aquelas perdidas nos momentos de tensão e estresse do trabalho.
Seriam estas as razões de Brasília ser uma cidade mística? Só quem aceita viver nela sabe a resposta. Eu sei, mas não conto pra ninguém!

AOS QUE VIRÃO

AOS QUE VIRÃO

Paccelli M. Zahler


"Ide e derramai sobre a terra as sete taças da ira de Deus".
Apocalipse, 16:1


É triste pensar que, dentro de mais alguns dias, seremos pessoas do século passado. Mais triste ainda é pensar no quanto a violência tem aumentado nos últimos anos, tanto nas áreas urbanas quanto nas áreas rurais, tanto nos países desenvolvidos como nos subdesenvolvidos.
Aparentemente, pode-se pensar que se trata de um fenômeno comum quando ocorre uma mudança de século.
Nesses períodos de transição, são comuns o surgimento de seitas e profecias apocalípticas e o aumento do número de suicídios e homicídios, causados pelo desespero das pessoas e pela falta de esperança em um mundo melhor.
Isto parece estar nos afetando neste momento, agravado pelo grande desenvolvimento dos meios de comunicação, o avanço da informática e a popularização dos computadores pessoais interligados na rede mundial de computadores.
A informação tem chegado em tempo real. Chega-se ao preciosismo de se assistir a uma guerra, ao assassinato de um importante líder mundial ou a um espetáculo de rock'n roll em uma ilha longínqua do Oceano Pacífico ao vivo.
Com toda certeza isso está afetando o pensamento das pessoas.
Nós, homens do século XX, talvez não estejamos preparados para todo esse desenvolvimento tecnológico aplicado ao nosso cotidiano.
Somos de uma época mais tranqüila, mais romântica, mais sonhadora. Todo esse arsenal que hoje se encontra disponível nas lojas de eletro-eletrônicos não são novidades. Já o conhecíamos através das histórias de Flash Gordon, Dick Tracy, Super-homem, Batman e Buck Rogers, que devorávamos com atenção máxima.
Apesar de quase perdermos as esperanças algumas vezes, ainda sonhamos com um mundo melhor e mais justo.
Ainda queremos passear de mãos dadas com a amada em um jardim florido, ouvindo o canto dos pássaros, respirando o ar fresco das manhãs e sentindo o calor do sol aquecendo o corpo.
Esquecemos que hoje, o namoro acontece através do computador, em um quarto fechado, luz fluorescente, ar condicionado ligado, bebendo refrigerante e comendo sanduíche.
Queremos sentir o toque da pele, o carinho, o olhar de cumplicidade em nossos momentos mais íntimos a dois. Porém, não levamos em conta que, nos dias de hoje, o amor pode ser feito através do telefone ou do computador, em qualquer parte do mundo, em qualquer horário, por cinco dólares o minuto.
Quase não se vê crianças brincando ao ar livre de amarelinha, de roda, pular corda, soltar pipa ou jogar bola de gude.
As brincadeiras foram transformadas em softwares, receberam mais velocidade e uma boa pitada de violência, podendo ser processadas através do computador ou do videogame. Assim, em um mundo virtual, o sangue jorra, personagens são mortos com requintes de crueldade mas retornam para mais uma rodada do jogo.
Suspeita-se que o excesso de fantasia esteja afetando o cérebro dos adolescentes, condicionando suas mentes e afastando-os do mundo real. Pelo menos, é a explicação mais plausível para os recentes assassinatos ocorridos nas escolas americanas, onde jovens fortemente armados atiraram contra professores e colegas, suicidando-se depois. Alguns deles eram aficionados de jogos eletrônicos e planejaram seus ataques de acordo com a mesma trama do jogo.
Que dizer do novo modelo econômico mundial - a globalização? Pois é, tem se incentivado, através da televisão e da propaganda, a competitividade, o êxito profissional, o sucesso, somente os fortes conseguem vencer e assim por diante. E o que acontece com os excluídos? Como sobreviver em um mundo competitivo se não se tem acesso às condições materiais mínimas, a uma formação intelectual e profissional adequadas para competir em pé de igualdade com os demais?
A exclusão também gera desespero, agressividade, violência.
Pois é, dentro de mais alguns dias, seremos gente do século passado. Seremos também ultrapassados? Não sei, contudo, talvez algum dia nos orgulhemos de termos brincado ao ar livre, pulado corda, subido em árvore, namorado no banco da praça vendo a banda municipal tocar marchinhas no coreto e termos tido inspiração para escrever poemas.
Quanto aos que virão... Coitados!

O ESPELHO

O ESPELHO
Paccelli M. Zahler


Era agosto! Estávamos ensaiando para o desfile de 7 de Setembro em frente à Catedral de São Sebastião. Pela primeira vez iríamos participar da Semana da Pátria pois a Escola São Benedito não tinha muita expressão para competir com as outras. Creio que foi em 1968.

A Escola São Benedito pertencia ao Orfanato São Benedito localizado na Rua 7 de Setembro a cerca de 2 ou 3 quadras da Catedral de São Sebastião.

Eu estava no quarto ano primário. Um militar nos dava noções de ordem unida e marcha. Pelo menos uma ou duas manhãs por semana ficávamos ensaiando em frente à Catedral.

O inverno já estava terminando e o ar fresco associado a um sol brilhante dava um colorido todo especial à paisagem. Lembro que nessa época, alguns soldados foram convocados pelo pároco para matarem algumas pombas que viviam nas torres da Catedral e que causavam muitos transtornos porque sujavam a calçada e as paredes. Por alguns momentos lá ficavam eles praticando tiro ao alvo para reduzir a população dos pombos. Nada se falava de Ecologia! Mas a ação era necessária porque os pombos podem ser transmissores de zoonoses.

Quando os soldados estavam atirando nos pombos, tínhamos que parar os nossos ensaios. Nesses pequenos intervalos foi que partiu a idéia, não lembro mais de quem, mas sei que foi dos alunos mais sapecas e avançadinhos da turma, de usar um espelhinho no sapato para ver as calcinhas das meninas.

Como naquela época eu era muito ingênuo, custei um pouco a entender. E me perguntava: "Ver calcinha para quê?" Ninguém soube me responder, mas a brincadeira era ver calcinhas. Foi então que colocaram um espelhinho no meu sapato e me pediram para posicionar embaixo da saia de uma menina. Não consegui ver nada, a não ser o azul do céu. O colega que estava do meu lado falou bem alto: " É verde!" E eu me sentia frustrado, não conseguia ver nada. Mais adiante, outro gritou: "Esta aqui é amarelinha!" E assim passamos boa parte do intervalo.

No outro dia, na hora do ensaio, não nos dirigimos para a frente da Catedral. A madre superiora nos reuniu no pátio da escola na frente das meninas e nos passou o maior sabão.

Que era uma pouca vergonha o que havíamos feito no dia anterior, que ela não admitiria que aquilo se repetisse, que em caso de reincidência ela iria enviar uma carta a todos os pais e nos deixar de castigo.

Tentei me defender dizendo que não havia participado efetivamente da brincadeira mas ela não me acreditou e me deu um sabão à parte.

Acabei pagando pelas calcinhas que não vi!

O BOLETIM

O BOLETIM

Paccelli M. Zahler



Longe vai o tempo em que pisei em uma sala de aula pela primeira vez. Para ser mais exato, há 36 anos.

Eu tinha 6 anos de idade. Naquela época, só era possível entrar no Curso Primário com 7 anos. Se não estou enganado, havia uma Lei que proibia às crianças com idade inferior a 7 anos de entrarem no primeiro ano escolar.

O mundo estava passando por modificações profundas. Três anos antes, Yuri Gagarin havia se tornado o primeiro homem a conhecer o espaço e a descobrir que a Terra era azul. Eram comuns notícias, comentários e especulações a respeito do futuro das viagens espaciais, especialmente sobre a descida do homem na Lua, concretizada 5 anos depois.

O assunto começou a me interessar e a busca de livros e filmes a respeito nunca mais cessou. Queria aprender de tudo para poder dedicar-me à pesquisa espacial e, possivelmente, ir à Lua quando ficasse grande.

Minha imaginação era fértil. Eu olhava para o céu azul e ficava assim por horas a fio tentando descobrir o que haveria lá. À noite, minha atenção voltava-se para as estrelas. Como era possível que existissem tantas?

Lembro-me das primeiras estrelas que conheci. Foram as Três Marias, da constelação do Órion. Estávamos sentados no pátio, meu avô, minha avó, minha tia-avó, minha mãe e eu. Como toda a criança, eu ficava prestando atenção na conversa dos adultos. Sob um céu estrelado de verão, meu avô levantou sua cabeça para o céu, observando-o atentamente com seus olhos azuis e disse-nos que estávamos exatamente embaixo das Três Marias. Eu olhei para o céu e fiquei encantado. Foi a minha primeira descoberta!

Foi com o meu avô também que, em uma noite estrelada de São João, conheci uma estrela cadente. Estávamos sentados nos degraus da porta de sua casa, coincidentemente olhando para o mesmo ponto no céu, quando vimos um risco de fogo que logo se desfez. Perguntei o que era e meu avô me disse que era uma estrela cadente. Fiquei muito impressionado. Será que as estrelas podiam cair sobre a Terra?

Por essa época, meu pai concluía o Curso Ginasial e iniciava o Curso Científico. Influenciado por vê-lo estudando e fazendo trabalhos escolares, quis entrar logo para a escola. Lógico que isto não era possível pois eu não tinha a idade mínima para matricular-me conforme determinava a legislação vigente. Tanto insisti que minha mãe acabou entrando em acordo com a diretora da Escola São Benedito, mantido pelas freiras da Ordem do Sagrado Coração de Maria, conseguindo com que eu freqüentasse experimentalmente o Curso Primário.

Não é preciso falar da minha felicidade. Eu queria aprender tudo. Lembro-me muito bem do dia em que fui até o quadro-negro e pedi para a professora, a Irmã Glorina, para ensinar-me a fazer contas com x e y tal qual meu pai fazia e ela me respondeu que isso eu só iria aprender no Curso Ginasial. Fiquei um pouco frustrado porque já me sentia em condições de aprender Álgebra. Não gostava daquelas intermináveis e repetitivas continhas de somar.

Uma coisa no entanto me chamou a atenção - eu não tinha uma turma fixa! Às vezes, acompanhava a Irmã Glorina quando ela ia dar aula no segundo ano; outras, voltava para a turma do primeiro ano. Mesmo assim, não perdia uma aula!

Certa feita, eu estava na turma do segundo ano e a professora recomendou um livro didático. Guardei bem o nome pois não sabia escrever direito e pedi para a minha mãe adquirí-lo. Ela me disse que isso não seria necessário e eu não entendia o porquê, afinal de contas, eu não estava na escola? Ela acabou comprando. É uma pena que hoje, por mais que me esforce, não consigo lembrar-me do título daquele livro. Somente que haviam umas figuras de aviões, navios, cavalos, cachorros e crianças na capa. Na realidade, nunca o utilizei porque era adotado somente para a turma do segundo ano primário.

No final de março, tive que faltar a algumas aulas. O motivo? Nascera a minha irmã Marininha! Acredito que foi a primeira vez que pisei em um hospital - a Santa Casa de Caridade de Bagé, RS.

Minha mãe passou mal de madrugada. Meu pai saiu correndo para conseguir um carro para levá-la ao hospital. Como eu era o único filho, fui acordado de madrugada para ir também. Sob hipótese alguma me deixariam sozinho em casa.

No hospital, minha avó paterna já esperava pela minha mãe. Ela era parteira, trabalhava na Santa Casa de Caridade e acredito que estivesse de plantão naquele dia. Existem coisas que a criança vê e não entende e os adultos nunca se preocupam em explicar para ela.

Meu pai estava nervoso. Entre um cigarro e outro, levou-me para passear de elevador (um dos poucos em Bagé). Foi a primeira vez que entrei em um e sentia um frio na barriga cada vez que ele subia e descia.

Até hoje, porém, não descobri como que meu pai ouviu o choro da minha irmã recém-nascida de dentro do elevador. Ou foi instinto paterno ou foi um berro capaz de colocar todo o hospital em polvorosa? Eu não ouvi nada!

Minha mãe ficou algum tempo no hospital. O parto fora difícil e minha irmã nascera prematura aos 7 meses de gestação. Parte desse período coincidiu com a Páscoa. Em uma das minhas visitas, levei um ovinho de chocolate de presente para a minha irmã. Só não me conformava com o fato dela não ter idade para comê-lo. Todas as crianças não comiam chocolate na Páscoa?

Depois desse tempo, voltei para a escola com a novidade. Havia ganho uma irmã! Recebi cumprimentos da professora e dos colegas e tudo voltou à sua rotina normal.

No final do ano, não pensei duas vezes - fui buscar o meu boletim! Minha mãe me alertou que isso não seria necessário. Não acreditei nela e fui receber o meu boletim, afinal havia freqüentado a escola o ano inteiro e merecia recebê-lo.

A entrega dos boletins deu-se no pátio da escola. Todos os alunos estavam reunidos e divididos por turmas, dispostos em fila indiana. A madre diretora fez um pequeno discurso e foi chamando um por um. Todos receberam seus boletins, menos eu.

Esperei que tudo se acalmasse, fui até ela e cobrei:

- Madre, eu queria o meu boletim!

Ela disse:

- Oh, que gracinha! Vejam só, crianças, este menino veio buscar o seu boletim, só que ele nem idade tem para cursar o Primário. Toma um santinho, meu filho!

Peguei o santinho e me senti arrasado. Foi a primeira decepção da minha vida. Eu tinha me esforçado tanto, levantado cedo para assistir às aulas, faltado só em ocasiões excepcionais, para receber um réles santinho!

Não teve outro jeito a não ser esperar o ano seguinte quando fui aceito de verdade.

Na Escola São Benedito, fiquei até o quarto ano primário e dela guardo as melhores recordações da minha infância.