sábado, julho 24, 2004

LENINHA

 
 Paccelli M. Zahler

 Leninha sempre foi muito recatada, por isso era alvo de brincadeiras entre colegas de trabalho, os quais, apesar das boas intenções, não deixavam de das as suas cantadinhas. Afinal, homem é homem em qualquer lugar e sempre segue o velho ditado: “se cair na rede é peixe”. Só que Leninha não cedia.
 - Como você é orgulhosa, Leninha! Você vai deixar tudo para os bichos comerem, vai?
 - Vou! É tudo meu, não é?
 E os comentários aumentavam: “Hum, essa aí, não sei, não! Ou tem amor secreto ou calça 45. Nem pros colegas, qual é?”
Era difícil entender aquele comportamento arredio, pois naquele ambiente de trabalho ninguém era de ninguém. Por que Leninha tinha que ser diferente? O Zeca, por exemplo, sempre era o primeiro. Quando Rosana veio trabalhar como secretária, seu comportamento era bastante arisco. Chegaram até a chamá-la de sapatão. Ele chegou de mansinho, conversa vai, conversa vem, um bom papo, um uisquinho, uma dança agarradinha, uma esfregadinha, um cheirinho no pescoço e creu! Era uma vez Rosana...
 No outro dia, a seção inteira já sabia do acontecido. O Zeca era cumprimentado calorosamente e ainda dava dicas para os colegas. “Isso é que era amigo!”
No final de semana seguinte, foi a vez do Antonio – créu na Rosana! Fato bastante comemorado na roda de bar. Depois, foi a vez do Cláudio e mais tarde a do Leandro. Pronto, Rosana já estava devidamente “carimbada”.
 Com a Janete não foi diferente. Zeca, o intrépido guerreiro, abriu caminho para os amigos. Sem falar da Cláudia e da Ana Cristina. Faltava a Leninha!
 Leninha continuava tranqüila em seus afazeres, cercada por “quatro formigas” aptas a possuírem o seu “pote de mel”. Às vezes, a presença deles a perturbava um pouco. Por mais que evitasse, acabava ouvindo suas fantasias e sonhos eróticos, muitos deles semelhantes aos seus. Isso a fazia viajar, principalmente quando estava no cio qual potra fogosa. E a pressão continuava.
 - Leninha, vamos à festa de final de ano no apartamento do Zeca? - perguntou Antonio.
- Não, obrigada, não gosto de festa!
 - Não precisa se preocupar, não! Se não estiveres gostando, é só vestir a roupa e ir embora! Ah, ah, ah, ah!
 Meses depois, surgiu Paulo, um rapaz discreto e bem apessoado para fazer parte do “time”. Ensinaram-lhe o “caminho das pedras” e ele não o seguiu. Passou a ser visto com suspeição.
 -Era só o que faltava, um sapatão e uma boneca! Esta seção não é mais a mesma. As meninas não “carimbaram” o Paulo e nós não “carimbamos” a Leninha – falou Zeca, arrasado.
 Leninha e Paulo começaram a reparar um no outro.
 Cada vez que ele passava por ela, ficava atônita com o seu cheiro. Tinha certeza de que somente ela conseguia senti-lo. Ficava subindo pelas paredes, estonteada, com água na boca, com vontade de traçá-lo ali mesmo.
Com Paulo não era diferente. O cheiro de Leninha, o cheiro da fêmea, fazia com que ele tivesse alucinações em pleno horário de trabalho. E ficava com vergonha de caminhar pela sala com o membro viril naquele estado. “Leninha era muita farofa para a sua feijoada!”
 Passou várias semanas sem conseguir dormir pensando nela. Tinha sonhos eróticos com Leninha e seu membro vivia permanentemente ereto, recolhendo-se somente depois de uma corrida de cinco quilômetros, seguida de um banho frio.
 Convidados para uma festa de confraternização da empresa, os dois se aproximaram. Beberam um pouco de cerveja, trocaram idéias, dançaram agarradinhos, roçando o corpo com suavidade. Naquele momento, como que por instinto, ambos sabiam o que queriam – o grande momento havia chegado. Era aquela noite ou nunca.
- Leninha, eu...
 - Aceito! No meu apartamento ou no seu?
- Leninha?
 - Mas tem uma condição – quero que minha calcinha seja tirada com o dedão do pé ou com os dentes. Do contrário, nada feito!
 - Leninha, pensei que você fosse tímida!
 - Sou, mas nestas horas não há timidez que resista. O corpo faz a gente cometer loucuras e a minha está sendo cometida agora. Vem sufocar o meu furor uterino, vem apagar esse meu fogo, vem, meu bomberinho, vem!
 O apartamento pegou fogo, fogo de amor, “que arde sem se ver”.

 

 

O CASO DAS MÚMIAS

 Paccelli M. Zahler

 Corria o ano de 1921, quando Howard Carter, realizando escavações no Vale dos Reis, no Egito, descrobriu a câmara onde repousava há séculos a múmia do faraó Tutancâmon.
Tendo que viajar ao Cairo para avisar seu companheiro, Lorde Carnarvon, da descoberta, encarregou dois empregados, Ahmed e Mohamed, de tomarem conta do local até o seu retorno dali a 14 dias. O que aconteceu nesse curto período foi omitido pelos historiadores, motivo pelo qual não consta nos livros de História. Entretanto, passou a fazer parte da tradição oral do povo egípcio, ficando conhecido como "o caso das múmias".
Ahmed e Mohamed foram os primeiros operários contratados e treinados por Lorde Carnarvon e Howard Carter para realizar prospecções e escavações arqueológicas, isto desde 1914. Lá se iam, então, sete anos de intensos trabalhos no campo, sob o sol quente do Egito, cavando, cavando, demarcando sítios arqueológicos, orientando novos empregados, conscientizando as populações próximas ao Vale dos Reis sobre a importância da preservação daquele rico patrimônio para a História da Humanidade. Um trabalho penoso, uma vida dura nos acampamentos, comendo ração, raros banhos, poeira, sem diversão e, muito menos, mulher.
 Para suprir a falta de mulheres, recorriam às cabras e aos camelos fêmeas, as quais tinham nomes de estrelas da época, como Mata Hari e Marlene Dietrich. Assim, iam "quebrando o galho" e passando o tempo.
 Tomando conta do sarcófago de Tutancâmon, mexe aqui, bisbilhota ali, descobriram as múmias de duas mulheres, mais tarde identificadas como Nefertiliti, primeira esposa do faraó; e Sohal, sua concubina predileta.
 Diante das múmias, entreolharam-se e parece ter-se comunicado por telepatia. Há sete anos sem ver mulher, não titubearam - despiram-nas! E tiveram duas surpresas: os corpos estavam intactos, as peles frescas e perfumadas, as bundinhas apetitosas, ali, na frente deles. Tocaram, sentiram a textura, o frescor, a maciez das xavascas de dois mil anos atrás, ainda conservadas por uma técnica que a Ciência Moderna ainda não foi capaz de reproduzir. Olharam ao redor procurando algum lubrificante. Encontraram um pote com óleos perfumados - parte dos pertences das duas. Passaram o óleo na estrovenga e "mandaram ver". Deliciaram-se, saciaram o desejo de sete anos. Quando perceberam, já era noite. Voltaram ao acampamento aliviados, felizes, despertando a curiosidade dos companheiros. Não dormiram! E assim aconteceu nas noites subseqüentes. Depois, passaram a ter pesadelos horríveis. Imaginavam-se perseguidos por bundas onde quer que estivessem. As alucinações, estranhamente, terminavam quando estavam acoplados às bundas de Nefertiliti e Sohal, respectivamente. Assim, para não terem alucinações, ficavam a maior parte do tempo atracados às bundas das múmias. Conseqüentemente, não comiam, não bebiam, tiveram que abandonar o trabalho e os companheiros para saciarem-se naquelas fontes de prazer.
Ao retornar do Cairo, Howard Carter encontrou-os sem vida, afogados nas bundas de Nefertiliti e Sohal, esboçando um sorriso no rosto. Eles não haviam acreditado na maldição!
Tempos mais tarde, um especialista em hieróglifos encontrou a seguinte inscrição nas paredes: "Nefertiliti e Sohal, as preferidas do faraó. Suas bundas bronzeadas foram preservadas para servirem a Tutancâmon em sua derradeira morada. Quem as violar, por elas será perseguido e as acompanhará até a presença de Osíris, o deus da morte!"
Sim, havia uma maldição - a maldição da bunda! O povo o sabia e dela havia tirado o seguinte ditado: "Um rabistel apetitoso e disponível pode guardar uma maldição terrível!"

(Publicado no Jornal PQP - um jornal pra quem pode, editado pelo jornalista Raimundo Mário Sobral, Belém, PA)

segunda-feira, julho 12, 2004

CRÔNICA DA ILHA VIRTUAL

CRÔNICA DA ILHA VIRTUAL

Paccelli M. Zahler

Bem que eu gostaria de ter vivido na época das grandes navegações. Provavelmente, teria me voluntariado como guarda-marinha em alguma caravela ou, quem sabe, teria sido aluno da Escola de Sagres.
Deus sabe o que faz! Não me deu caravela, deu-me um computador; não me deu mares, deu-me o ciberespaço para desbravar.
Outrora, eu levaria muitos dias, enfrentando o sol e o frio inclementes, as tempestades em alto-mar, a falta de comida e de água potável, para atracar em novas terras.
Hoje, com um clique no “mouse”, no conforto da minha casa, tomando um chocolate quentinho com pão de queijo, viajo a qualquer lugar em frações de segundo.
Foi em uma dessas viagens virtuais que descobri Portugal, aportei na Marinha Grande e entrei no Portal “Cá Estamos Nós”.
Fui recebido pelo comandante supremo daquela ilha virtual, o escritor Carlos Leite Ribeiro, e seu vice, Lourivaldo Perez Baçan.
Após algumas trocas de mensagens eletrônicas instantâneas, acabei seduzido, formando raízes e me estabelecendo.
Fico imaginando como teria sido na época do Infante Dom Henrique. Na certa, os contatos teriam demorado meses.
A ilha virtual tornou-se meu refúgio nos momentos de desânimo e de cansaço. Lá, eu encontro amigos e delicio-me com coisas belas e imagens maravilhosas expressas em verso e prosa.
O tempo passou depressa e, no dia 15 de julho do corrente ano, a ilha estará completando seis anos de fundação. Este fato, logicamente, não passou em branco.
Em maio deste ano, foi realizado o Primeiro Encontro e o lançamento da Primeira Antologia do Portal “Cá Estamos Nós”, em Fortaleza, CE.
Isso é muito interessante. A ilha é virtual, está do outro lado do Atlântico e, de repente, aporta no Brasil para encontrar-se.
Não sei dizer se tal acontecimento é reflexo da globalização ou se se trata da realização de um antigo sonho do homem – o rompimento da barreira do espaço e do tempo.
De qualquer maneira, a ilha virtual está eternizada no mar eletrônico do ciberespaço.

LEMBRANÇAS DO MEU PAI

LEMBRANÇAS DO MEU PAI


Paccelli M. Zahler

A vida é sábia. Ela não nos dá uma bola de cristal para vislumbrarmos os acontecimentos futuros.
Diz a filosofia oriental que escolhemos onde, como e em que família queremos reencarnar. Mas isso não importa, pois a vida continua sendo um grande mistério.
E esse mistério nos leva a questionar o por quê da nossa existência.
Queiramos ou não, em algum momento da nossa vida fazemos esse questionamento, seja orando, meditando ou após uma experiência marcante.
Um dia tomamos consciência de pertencer a uma família e, nela, a presença de um pai.
E o que é um pai? O que é ser pai? Um gerador de filhos? O responsável pela manutenção da família? Aquele que cria filhos? Um estereótipo da estrutura social?
Crescemos e somos educados com a imagem do pai carinhoso, sério, justo, trabalhador, impoluto. Esta imagem acaba transformando nossos pais em ídolos. Por outro lado, nos assustamos ao saber que ele pode ficar estressado, pode errar, que ele é tão humano quanto nós.
No fundo, o que buscamos é um pai sábio, conselheiro, que nos mostre o caminho a seguir em nossos momentos de fraqueza ou dúvida. Entretanto, nem sempre os pais se preparam para ser o que os filhos esperam deles.
Creio já ter esgotado todo o rol de perguntas sobre pais.
Hoje, encontro conforto nas palavras da poetisa norte-americana Anne Sexton: “Não importa quem meu pai tenha sido, o que interessa é a minha lembrança de quem ele foi”.