A HIPÓTESE GAIA
Paccelli M. Zahler
Segundo a mitologia grega, no começo, há muito tempo, antes de Zeus, Apolo ou Poseidon, o mundo não tinha forma. Havia somente uma única divindade chamada Gaia que também não tinha forma.
Não havia noite nem dia, nem mar nem céu, nem havia a Terra como hoje a concebemos. Somente a deusa Gaia pairando sobre uma vastidão sem forma chamada Caos.
Gaia almejava ser mãe. Ela desejava dar à luz uma nova vida. Nunca tinha havido um desejo de geração tão completo como o de Gaia, enquanto ela percorria os limites do Caos. Era tão forte essa vontade que, em seu sono, ela deu à luz Urano.
Gaia era a deusa Terra original, mas era também a própria Terra. Seu nome significa Mãe Terra. Igualmente, Urano, cujo nome significa Pai Céu, não foi somente o primeiro deus Céu, mas o próprio Céu.
Assim, não poderiam ser vistos como mãe e filho tanto que, em pouco tempo, começaram a viver juntos.
Seus três primeiros filhos foram monstruosidades, pois, além de gigantescos, tinham cinqüenta cabeças e centenas de mãos cada um.
Gaia, como toda a mãe, estava satisfeita com eles. Por outro lado, Urano, o pai, detestou-os desde o começo e desejou exterminá-los. Entretanto, livrar-se de imortais como ele não era uma tarefa fácil. Mesmo assim, planejou fazê-lo e de um modo muito cruel, introduzindo-os um a um no útero de Gaia, a qual, sentindo-se intimidada por Urano, não ofereceu resistência nem tentou trazer sua monstruosa prole ao mundo uma segunda vez. A partir de então, passou a exibir uma forma esférica.
Descaradamente e com freqüência, Urano voltava à cama de Gaia e ela, embora começasse a detestá-lo, o recebia. Assim, tiveram novamente três filhos, todos com uma aparência selvagem e violenta. Cada um tinha duas mãos e um grande olho redondo na testa no meio de rugas concêntricas. Todos se tornaram fortes e hábeis artesãos, e foram chamados de Ciclopes.
Urano, instintivamente, os detestou e pensou em tirá-los permanentemente do seu caminho, pois os via como rivais. Finalmente, sob os protestos de Gaia, amarrou-os e os enviou para o Tártaro, o menor e o mais remoto nível de existência.
Entretanto, o casamento entre Gaia e Urano não foi um desastre. Urano, do seu domicílio no topo da montanha, enviou chuva fértil para a terra. A terra abriu suas fendas, clareiras, vales e lugares secretos para recebê-la. Os lagos se formaram, as fontes começaram a jorrar, os rios desceram das montanhas em forma de cascatas e encheram os mares.
Gaia estava em seu ambiente. Seus olhos brilhavam e percorriam o mundo em todas as direções e, para onde ela olhava, novas vidas começavam a surgir, peixes, aves, flores silvestres, florestas.
Entretanto, em seu interior, podia sentir seus três primeiros filhos tateando às cegas, e seus pensamentos, mais uma vez, se voltavam para Urano e sua tirania abominável sobre ela e sobre sua prole aprisionada. Quanto mais ela pensava, mais intensa se tornava a sua aversão e seu desejo de vingança. Porém, sabia que não poderia vingar-se sozinha.
Como Urano continuava a detestar seus filhos, elas os reuniu e solicitou ajuda para executar seu plano.
Levou seu filho Cronos para o lugar onde havia escondido uma foice de pedra denteada, talhada especialmente para a ocasião. Deu a foice para Cronos, escondeu-o em um canto do seu aposento, perto da porta, e deitou-se na cama.
Quando a noite chegou, Urano voltou para casa. Vendo sua esposa tão linda e perfumada, sentiu um intenso desejo e foi deitar-se com ela. Nesse exato momento, Cronos saiu do seu esconderijo e atacou seu pai, castrando-o com a foice e jogando seus órgãos genitais em alto-mar.
Como se vê, idéia de que a Terra está viva é bastante antiga. O conceito de Mãe Terra tem sido defendido ao longo da História e tem sido a base de uma crença que coexiste nas grandes religiões. Entretanto, a primeira afirmação científica de que a Terra estava viva foi feita em 1785, pelo geólogo escocês James Hutton, em uma palestra na Royal Society of Edimburg, onde sugeria que a forma correta de estudar a Terra seria através da fisiologia, comparando a descoberta da circulação do sangue por William Harvey com os ciclos dos elementos, hoje denominados de ciclos biogeoquímicos.
Em 1965, James Lovelock trabalhava, juntamente com Dian Hitchcock, no Laboratório de Propulsão a Jato, em Pasadena, Califórnia, em um estudo crítico das experiências para a detecção de vida fora da Terra.
Estudando a possibilidade de vida em Marte, verificou que a maior parte das experiências propostas naquela época eram demasiadamente geocentristas para terem sucesso, ou seja, eram projetadas para encontrar um tipo de vida terrestre em um planeta diferente da Terra.
James Lovelock sentiu a necessidade de elaborar um modelo que pudesse reconhecer a vida em qualquer de suas formas prováveis.
A idéia básica era que, se um planeta possuísse vida, esta seria obrigada a utilizar a atmosfera como fonte de matérias-primas e como meio de transporte para seus produtos, o que seria revelado através das alterações químicas na própria atmosfera planetária, bastante improváveis onde não houvesse vida.
Naquele ano, com um grande número de informações sobre a composição atmosférica do planeta Marte, concluiu que havia poucas possibilidades de vida lá. E, para testar esse prognóstico, era necessário um planeta que tivesse vida, no caso, a Terra.
O oxigênio está presente em 21 % da atmosfera da Terra ao passo que o metano em somente 1,5 ppm ( partes por milhão). Sabe-se, através da química, que ambos são altamente reativos em presença de luz solar, no entanto, mantêm essa proporção na atmosfera terrestre por algum processo na superfície da Terra, capaz de agregar a seqüência de intermediários estáveis e reativos para alcançar tal objetivo. Possivelmente, esse processo seria a vida!
Duas perguntas intrigavam o pesquisador:
1) Como é que a Terra mantém uma composição atmosférica tão constante, se é formada por gases altamente reativos?
2) Até que ponto uma atmosfera instável poderia ser adequada, em composição, para a vida?
Começou a imaginar que talvez o ar não fosse apenas um meio para a vida, mas uma parte da própria vida.Parecia que a interação entre a vida e o ambiente, da qual o ar é uma parte, é tão intensa que este poderia ser considerado como uma “pele” ou um “revestimento” feito por seres vivos para suportar um dado ambiente.
O romancista William Golding sugeriu a Lovelock que denominasse essa hipótese com o termo Gaia, que os gregos empregavam para denominar a Terra.
A idéia de James Lovelock sofreu muitas críticas de seus colegas de profissão, os quais acusaram a hipótese Gaia de ser teológica, a ponto das revistas “Nature” e “Science” se recusarem a publicar artigos sobre o tema.
James Lovelock contou com a colaboração da microbiologista Lynn Margulis, a qual apoiou e ajudou a difundir as suas idéias, a partir do início da década de 1970.
Na Conferência sobre Gaia, patrocinada pela American Geophysical Union, em 1988, Lovelock foi aplaudido em pé. A partir de então, os cientistas começaram a considerar Gaia com mais seriedade porque o mundo, não apenas os grupos New Age, passou a cobrar deles uma posição.
Segundo Eugene Linden, em um artigo para a revista “TIME”, a hipótese Gaia está estreitando a distância entre a ciência e a religião, permitindo discussões em uma mesma linguagem, o que tem aumentado o número de adeptos pois reconcilia ambas no estudo da vida sobre a Terra.
Se a idéia de James Lovelock for comprovada, o homem terá que repensar seriamente a sua ação sobre os ecossistemas, pois Gaia, segundo a mitologia grega, ao sentir-se ferida poderá vingar-se de seus agressores.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
LINDEN, E. 1989. How the Earth maintains life. Revista Time, 46:53.
LOVELOCK, J.E. 1987. Gaia: um novo olhar sobre a vida na Terra. Edições 70, Lisboa. 170 p.
RICHARDSON, D. 1996. Greek mythology for everyone. Gramercy Books, New Jersey. 312 p.
THOMPSON, W.I. (org.). 1990. Gaia: uma teoria do conhecimento. Ed. Gaia, São Paulo. 209 p.
terça-feira, junho 08, 2004
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